*Rangel Alves da Costa
Era uma casa simples, normal, com poucas
dependências, de tijolo e barro, muro e quintal, numa rua um tanto esquecida da
cidade. Três quartos, uma varanda, uma sala de estar, cozinha, um pequeno salão
ao fundo, um pomar. Uma porta e duas janelas à frente. Duas janelas laterais e
uma porta ao fundo. No quintal comprido, desde plantas medicinais a goiabeiras
e mamoeiros.
Como visto, até uma casa pequena. E menor
ainda pelo número de familiares que nela habitava, como num apertado para tanta
gente. Pai e mãe, dois filhos, dois netos. E mais uma cria que desde muito
convivia com a família. Seis pessoas entre as quatro paredes, quartos e demais
dependências. Também um gato, um cachorro e um velho papagaio falador. Uma casa
pequena para tanta gente, mas imensa como o maior dos corações.
Família unida, com cada um sempre próximo ao
outro, com cada um sempre sendo a palavra e o conforto do próximo, tudo
afeiçoado a uma boa amizade além da familiar. A mãe, ou matriarca, sempre
gostava de ter os seus netos em alvoroço, correndo de canto a outro, brincando
e reinando. Sempre dizia que aquelas crianças eram a alegria da família. O patriarca,
fingindo uma sisudez que não possuía, sorria por dentro toda vez que os meninos
pulavam em suas pernas.
Um dia, de emprego novo, a filha decidiu
alugar uma casa e levar os seus filhos. Zefinha e Joãozinho seguiram a mãe
olhando pra trás e chorando. Não queriam sair dali, não queriam deixar a casa
de seus avôs. Estes, esforçando-se o máximo para não demonstrar tristeza,
apenas acenaram quando viraram a esquina. Em seguida, contudo, cada um procurou
o seu canto e chorou toda a lágrima do mundo. Aquele silêncio começava a dor, a
amargar, a ferir por dentro.
Os dias passavam e era como se a única alegria
fosse a boa recordação. Os gritos, os barulhos e as palavras dos netos, eram
ouvidos como se ali eles ainda estivessem. Vez por outra a avô se via falando
sozinha, chamando Zefinha para oferecer bolo e pedindo a Joãozinho para colocar
comida para os bichos de cria. Depois, quando sentia as palavras vãs, então
chorava de soluçar. A saudade, a saudade.
O filho, tio das crianças, sempre dizia que
não adiantava ficar assim. Repetia que os meninos não estavam distantes e que
de vez em quando estava ali. Mas ele mesmo sentia muita saudade, e por isso
mesmo sem o contentamento dos dias passados. Contudo, mais entristecido ainda
quando se viu na iminência de dar uma notícia aos pais. Teria que viajar, teria
que tentar melhor vida noutro lugar, pois ali já não oferecia emprego a
ninguém.
Partiu no trem sem ter coragem de dar um
último aceno. Seus olhos já estavam molhados demais para enfrentar os seus. E
mais ainda por que sabia a dor derramada nos corações de toda a família. Também
sabia que seus pais, já envelhecidos e agora tão solitários, haviam perdido
toda a razão de viver. Por mais que se esforçassem, jamais reencontrariam a
felicidade naquele mundo agora tão vazio.
O silêncio tomava conta de tudo. A mudez dos
pais era crescente. O entristecimento também. Ela sempre recorria ao quintal
quando já não suportava a saudade dos seus. E lá, entre roseiras e hortaliças,
chorava sua lágrima mais doída. Ele se lançava adiante da casa e ia deitar sua
tristeza debaixo de algum sombreado. Parecia ouvir a família, parecia estar
sendo chamado por algum neto: Vovô, a comida tá na mesa!
A casa era imensa e tão pequenina. Mas agora
estava imensa de vazio e maior ainda na saudade que expandia por todo lugar.
Apenas dois seres onde havia seis. Um pai e uma mãe de filhos já não enlaçados
ao seio familiar. E netos que haviam levado na partida toda a alegria de uma
casa. Até que o silêncio fechasse de vez a porta daquela existência.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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