SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 15 de abril de 2018

SE MEUS ZÓIO OIASSE E DO ZOIAMENTO AVISTASSE...



*Rangel Alves da Costa


Na idade munta e já no cansaço das vista, avistando sombra adonde via somente sol, o que mai me dói é num mai poder tudo avistar direitinho sem anublar um tiquinho. Pru mode disso que digo:
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... Avistava o que queria ver sem imaginar diferente aquilo que nóis tem na frente, sem ter da feiura incerteza naquilo que é só beleza.
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... Avistava um mundo munto mió sem tanta mardade de fazer dó, sem tanto sofrer de juntar em aió. Coisa mai triste é num poder enxergar o que os zoinho possa alegrar.
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... Encrontava ainda a frô, a beleza do mio que embonecou, a rama da melancia que se espaiou, a frô do argodão que branca cor, mai meus zoio anuviou e nada mais avistou.
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... Sorria com a saia levantada na ventania, com a roupa no varal em rebeldia, com o menino mandano biete de poesia. Tempo bom quano podia avistar as coisa simples da vida pro todo lugar.
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... A lua em noite escura, a manga caída madura, o pomar de fruta pura e nos zoiá a ternura do coração em brandura. Mai é mió nem avistar a fruta de hoje do pomar e o que aos zóio faiz chorar.
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... Vizinha varreno carçada sem se meter em conversada, sem a vida dos outo ser falada e sem a inocença mardada. E quano a janela se abrisse os zóio apenas sorrisse.
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... O entradecer nas carçada e as amiga em proseada, o menino em arribada e a menina enfeitada, que coisa mai animada na vida desassustada.
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... A janela e a porta aberta, pelo dia e na hora mais incerta, sem medo da chegada do que a vida desacerta. Que vida é essa no cadeado, no passo mais assustado, no povo assim desamado?
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... Queria avistar um jardim, uma roseira um jasmim, um pirilampo, um querubim, uma mão dada por fim. Mai nada disso avisto e pru isso me apregunto preguntando se existo.
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... A nuve prenha e bonita, cheia d’água e bendita pra se derramar no sertão, trazeno relampo e trovão, pra chover em floração. Entonce a terra prantá e da coieta juntar o que o viver precisar.
Se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse... A barra do arvorecer, a luz do sol a incandecer e toda luz puder ter. Nada mais bonito ao oiá do que puder avistar toda cor a se espaiá do arto a todo lugar.
Mai já num avisto não. Os ano apagou meu clarão. O que meus zóio avistava agora é escuridão. Ainda avisto a sombra e o que se mexe no chão, mai é tão pouco que avisto que me vejo em aflição.
A idade vai cegando o zóio, a gente já num vê mais e toda luz ficou pra traiz. Para seguir adiante é na lentidão delirante, cai aqui cai acolá, se não puder segurar naquilo a me guiar. O cajado no breu agora nos zóio meu.
Tudo passa e pouco vejo, quando munto um relampejo. A frô num avisto não nem do sol o seu clarão. A noite toda em mim numa tristeza sem fim, nessa cegueira em mim. Mas a vida mermo assim, um dia a luz e agora o breu ruim.
Ai Deus se meus zóio oiasse e do zoiamento avistasse...


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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