*Rangel Alves da Costa
Era dia de domingo, um dia de descanso para
muitos. Mas assim que cheguei ao Assentamento Madre Teresa de Calcutá, na zona
rural do município sergipano de Poço Redondo, para uma visita a um amigo, mais
adiante, chegando pelo meio da estrada, logo avistei uma mulher com sua carga
inusitada. De calça comprida, camisa de pano grosso também de mangas compridas,
chapéu na cabeça e luvas pretas nas mãos, com a face queimada de sol, tendo à
frente um carro de mão abarrotado de lenha. Seu nome: Maria.
Maria. E talvez nem precise de sobrenome. Ou
precise sim, mas apenas Maria do Sertão, Maria Nordestina, Maria da Luta, Maria
Mulher, Maria Maria, apenas. Uma Maria incansável na luta, disposta a dar tudo
de si para a digna sobrevivência, tecendo sua vida nos duros ofícios debaixo da
lua e do sol. Ainda jovem, de rosto bonito e de evidente simpatia humana, bem
que podia cuidar apenas dos afazeres da casa. Mas não. Foi avistada já chegando
do mato, já voltando do meio do mundo com seu carro de mão tomado de lenha. Madeira
em pedaços, catados e recolhidos na mata, para alimentar o fogão de lenha. No
lugar do botijão de gás, a lenha dando vida ao fogo e o fogo fervendo a panela
com qualquer coisa por dentro.
Logo que avistei Maria senti vontade de
registrar aquele momento tão original e representativo da vida sertaneja.
Esperei ela se aproximar um pouco mais e depois segui em sua direção. Cumprimentei
e pedi permissão para uma fotografia. Ela já me conhecia e por isso mesmo em
nada se opôs. Mesmo chegando de longe, carregando um peso grande debaixo do
sol, não se mostrava exausta nem entristecida pela vida dura. Parecia
acostumada com aquele cotidiano de luta e de correria, onde catar lenha no mato
era apenas uma parte do muito dificultoso no dia após dia. Retratei aquele
momento e hoje publiquei a fotografia nas redes sociais com as seguintes
palavras:
“A dignidade pelo trabalho. Eis a
melhor tradução para a fotografia abaixo, retratada no Assentamento Madre
Teresa de Calcutá, em Poço Redondo. Talvez tenha saído logo cedinho de casa.
Talvez nem tivesse tido tempo de tomar uma xícara de café e morder um pedaço de
pão. Talvez nem tivesse deixado algum alimento sobre a mesa para os filhos ou
os menores de casa. Talvez nem tivesse pensado em pedir a um homem que fizesse
o duro trabalho de recolhimento de lenha na mataria ao redor. Talvez nem
tivesse pensado em nada senão ir depressa ao trabalho, à catação e extração de
toco e pedaço de pau para alimentar o fogão de quintal. Tanto faz o alimento
que se tenha. Tanto faz a panelada ou apenas a frigideira com um pedacinho
disso ou daquilo. O que importa mesmo é a conquista através da luta. Uma gente
assim, disposta e incansável na labuta do dia a dia, sempre tem uma galinha de
capoeira, um bicho de cria, um pedaço de carne e de toucinho pendurados no
varal nos fundos da casa. Coisa bonita avistá-la na estrada, sentir sua chegada
e o sorriso na face. Aproximei-me, proseei um pouquinho para não atrapalhar sua
chegada e seu descanso, mas não tive como não pedir para retratá-la daquele
jeito assim tão sertanejo. E ela não se negou. Mostrou que não tinha vergonha
de ser fotografada assim. Então ela até fez pose. Então eu sorri por fora e por
dentro e me reconheci como nunca naquela sertaneja. Ela me representa.
Representa sim”.
Apenas um
retrato de Maria. Mas quem conhece os sertões e suas Marias, certamente também
conhecerá a luta de cada Maria. E esta Maria, a do carro de mão cheio de lenha,
aquela que logo cedo sai de casa para o ofício da luta, também aquela que
retorna para alimentar o fogão e colocar panela por riba, vai além desse viver
mariano para se constituir noutra saga de mulher: a Maria que é pai e que é
mãe, a Maria que tem de cuidar dos seus esforçando como mulher e também como
homem. E assim por que esta Maria sustenta sozinha uma casa, não possui marido
nem pai para seus filhos, e por isso mesmo é tudo no seu lar e na vida dos
seus. E uma Maria assim só podia mesmo ter a força e a abnegação de uma Maria
sertaneja.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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