*Rangel Alves da Costa
Quando
João Guimarães Rosa transformou sua literatura na fala do povo comum, expondo a
inteireza do falar regional do povo e, consequentemente, afastando de sua
escrita todo o conservadorismo mofento e enfadonho da língua, os acadêmicos e
os críticos tiveram que engolir a seco as proezas do grande mestre mineiro,
autor, dentre outros, de Grande Sertão: Veredas, Corpo de Baile e Sagarana.
Quando
Jorge Amado descreveu em suas obras os submundos e os cheiros putrefatos dos
cabarés, dando nome aos “xibius” e às “bucetas”, ninguém teve coragem de dizer
que o grande escritor baiano estava produzindo uma literatura pecaminosa ou
depravada. Nas páginas de Gabriela, Terras do Sem Fim, São Jorge dos Ilhéus e Tocaia
Grande, por exemplo, dá pra se sentir o cheiro encardido das putas amadianas. Todo
mundo teve que aceitar caladinho.
Quando
João Ubaldo Ribeiro coloca mil palavrões na boca do indignado e até insano
Sargento Getúlio, num linguajar tão realista que ecoa como gritos de ódio,
ninguém teve coragem de dizer que o escritor havia extrapolado na voz de seu
principal personagem. “Poder um caralho, vá tomar no cu o sistema e seus
poderes...”.
Quando
Nélson Rodrigues detalha em pormenores as traições e as hipocrisias humanas,
relatando a vida como ela é, sem floreios nem meias-palavras, ainda assim
nenhum sabichão se levantou contra as propensões libertinas humanas. Sabia que
era tudo verdade.
Quando
Júlio Ribeiro publicou A Carne quase o mundo desaba. Mas não desabou não e hoje
sua obra se constitui numa marco da literatura nacional. Quando um grande
escritor dá nome aos bois, diz tudo sem rodeios e até exagera no palavreado,
certamente provoca um desacerto mental e moral nos sabichões, acadêmicos e
supostos donos da língua.
Ah, talvez
os puritanos nunca tivessem lido autores franceses que tiram a roupa dos
personagens e os fazem gemer e gozar. Talvez os exacerbados conservadores nunca
tivessem lido o realismo dos esgotos, das favelas, dos lixões. Talvez o poema O
Bicho, de Manoel Bandeira, fosse acintoso demais.
Querem
criticar e têm que calar, querem falar mal e têm que colocar o rabinho entre as
pernas. Ora, acredito piamente que se alguém aqui escrever uma frase aos moldes
de João Guimarães Rosa, logo irão dizer que é analfabeto, que não sabe nada de
português, que nunca passou na porta de uma escola.
Criticam a
pessoa comum, jogam pedras na pessoa comum, zombam de sua pouca escrita, mas
calam perante “os nomes”. Quanta besteira, meu Deus. Já disse Celso Pedro Luft
que língua é liberdade. E tal liberdade implica em comunicar-se sem amarras nem
grilhões.
Isso
mesmo, a liberdade da língua e da comunicação implica em dizer como sabe e como
pode dizer, sem passar pelo crivo da dita “inteligência”. Todo mundo, pois,
deve ter a liberdade de escrever como quiser e como souber. O resto é querer
ser metido a besta, apenas isso.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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