O VERDADEIRO INIMIGO
Rangel Alves da Costa*
As pessoas viajando, as pessoas passeando, as pessoas caminhando, as pessoas namorando nos jardins, as pessoas sentadas nos bancos das praças, as pessoas perdidas pela rua, as pessoas vivendo o seu dia-a-dia, e de repente avisos bem altos e por todos os lugares, vindos de alto-falantes potentes, através do rádio, através do ar:
"Atenção, atenção, prestem bem atenção: seres estranhos foram detectados por nossos radares e se aproximam em nossa direção. Não sabemos ainda a potencialidade desses inimigos e o que pretendem fazer contra as pessoas que vivem pacificamente na terra, por isso mesmo deixem cuidadosamente o local onde estão e procurem abrigo em local seguro".
"Os desconhecidos estão cada vez mais próximos. Nossos serviços de inteligência ainda não sabem, mas podem ser altamente perigosos, destruidores e que não respeitam nada do que encontrem pela frente, mesmo que sejam velhos, doentes, crianças, aleijados, nada, não respeitam nada. Por isso tomem cuidado. Para não despertar nenhum tipo de furor no desconhecido, saiam de onde estão cautelosamente e vão para um lugar seguro, onde possam ficar bem protegidos".
Os avisos emitidos eram cada vez mais altos e mais contundentes, como se quisessem dizer que a situação era de perigo extremo e a qualquer instante todos poderiam se tornar vítimas fatais. Contudo, mesmo com as ordens proferidas e as palavras ameaçadoras usadas, as pessoas pareciam não estar nem aí. Paravam por um instante, ouviam e prosseguiam nos seus afazeres, nos seus passeios e nas suas mesmices. Era como se os alertas não fossem nem ouvido por estes.
E as sirenes começaram a tocar mais alto e com mais insistência. Nesse passo, também aumentou o tom impositivo nos comunicados, agora mais altos e parecendo definitivos:
"Não subestimem os inimigos. Eles são perigosos, maus, covardes; são uns verdadeiros assassinos e já estão cada vez mais próximo de vocês. Não sabemos ainda quais armas poderão utilizar no ataque morticida, mas pode ser armamento de tecnologia ainda desconhecida por nós, tais como aviões invisíveis carregando gases letais, nuvens teleguiadas com chuva de napalm, ventos corrosivos, espumas asfixiantes, enfim, a morte certa. Por isso mesmo não continuem como estão nem mais um segundo. Fujam, se protejam como puderem, procurem sobreviver. E este é o último aviso: fujam, saiam daí rapidamente, pois eles já estão chegando".
As pessoas continuavam despreocupadas, felizes. Não davam a mínima importância para tais avisos desesperados, para as ordens superiores. Se estavam beijando, se lambiam ainda mais; se estavam correndo, pulavam ainda mais; se estavam gritando, gargalhavam ainda mais; se estavam tristes pelas praças, choravam ainda mais. Na verdade, ignoravam totalmente a preocupação do sistema de alerta contra os inimigos invasores. Mas num determinado momento, quando as sirenes baixaram seus sons e uma voz nos alto-falantes e nos rádios começou a falar, então tudo deu uma reviravolta, tudo mudou.
Bastou que a voz dissesse: "Já que vocês não querem sair, então a polícia vai até aí para protegê-los". Bastou ouvirem o nome polícia e foi um deus-nos-acuda, com pessoas aos gritos, aos prantos, correndo desesperadas, uns pisoteando os outros, e todos gritando: "Corram, salvem-se quem puder que a polícia vem aí".
Os desconhecidos invasores não chegaram, mas todos ficaram sabendo de quem o povo tem realmente medo, da presença de quem querem fugir a qualquer custo, das garras de quem procuram desesperadamente se afastar, para não serem vítimas dos abusos, da covardia, da violência gratuita. Ao menos serviu para que tivessem a certeza de que o povo procura se proteger é da polícia, e jamais esperando qualquer proteção vinda desta. Ademais, em muitos casos, polícia significa diminuição da dignidade e da integridade física do inocente.
Poeta e cronista
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2 comentários:
Eu me lembrei de ACORDA, AMOR. de Chico Buarque. "Chame o ladrão, chame o ladrão.!" Abraços.
Caro Rangel já dei boas gargalhadas aqui, é muito triste esta constatação.O meu amigo Cacá lembrou muito bem,foi feliz.Mas voce soube criar com muita sabedoria esta cronica critica.Parabens.
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