Rangel Alves da
Costa*
A cada dia
aumenta a certeza que o mundo vai acabar mesmo através do fogo. Se o fim dos
tempos dos dinossauros se deu com a queda de um imenso asteroide sobre a terra,
dizimando grande parte da vida planetária, o fim do mundo presente parece mesmo
que se dará pela chama ardente. E fogo vindo do sol, em forma de calor. Os
sinais já estão aí, a cada ano, com as temperaturas ficando elevadas a níveis
quase insuportáveis.
A profecia
está escrita nos termómetros, nos corpos abrasados pelo insuportável calor, nas
altíssimas temperaturas do amanhecer ao anoitecer, nos horizontes que parecem
crepitando, nos mormaços que são verdadeiras fornalhas. Não há um só ser humano
que já não venha sentindo o fogo desse juízo final. Eclesiastes certamente
diria que há um tempo de frio e um tempo de calor, um tempo de brisa e um tempo
de sopro ardente, mas sua assertiva seria colocada em dúvida na realidade
presente. Há só um tempo, o de calor.
Os estudos
meteorológicos também asseveram o fim da humanidade através das chamas. E assim
porque os pesquisadores são unânimes em afirmar que a temperatura da terra será
mais elevada a cada ano. Ora, se o calor intolerável de hoje será superado pelo
do próximo ano, e assim em diante, logicamente que chegará a um ponto de
ebulição, de fervura. E de repente o mundo numa chama só. Para uma ideia dessa
mudança climática basta lançar um olhar para Aracaju de trinta anos atrás,
quando os casacos de frio eram costumeiros a partir do mês de junho. De uns
anos para cá nem doente suporta mais usar uma roupa mais aquecida.
Alguém até
poderia dizer que o verão nordestino sempre chega acompanhado de elevadas
temperaturas. Mas o verão já passou e o outono parece ter redobrado o calor. A
noite cai em torno dos trinta graus e amanhece já soltando fumaça. Quando o sol
desponta de vez então fica até difícil para que os termômetros acompanhem os
níveis cada vez mais altos das labaredas. Daí uma certeza: não há termômetro
que aponte o grau exato, vez que o verdadeiro calor está mesmo na sensação
térmica. E o povo fumaçando não deixa mentir.
A verdade
é que nos últimos dias a temperatura vem batendo todos os recordes, com níveis
aterrorizantes ao ser humano, ainda que acostumado ao sol nordestino
escaldante. E tudo numa constância desalentadora. Quando o sol se esconde e
imagina-se a chegada de uma brisa mais refrescante, logo se vê o engano. Portas
e janelas abertas, cadeiras nas calçadas, banhos, sorvetes e refrigerantes,
nada disso impede que o forno do tempo envolva o corpo inteiro.
A
reclamação é uníssona por causa desse forno aberto diante de todos. E em
Aracaju a situação é pior. Sendo cidade praieira, com uma imensa costa marítima
ao redor, o sol acaba incidindo ainda mais forte e o vapor calorento vai
impiedosamente avançando. O vento que chega da barra já vem com papel laminado
para assar de forma igual. E tudo vai se transformando em dias e noites
insuportáveis, com ruas parecendo tremer, asfaltos soltando fumaça, pessoas em
tempo de enlouquecer.
Mas tudo
isso já era esperado. É o próprio homem que vive colocando lenha na fogueira do
universo. Cada planta que tira do chão, cada beira de riacho que desmata, cada
fornalha que vai construindo e cada ação tomada contra a natureza, outra
consequência não gera senão o aumento da temperatura e a degradação planetária.
Daí que não é o sol que está mais próximo ou mais quente. É o homem cada vez
mais frio, insensível e negligente perante os problemas ambientais. Ora, a
natureza sopra com aragem perfumada, leve, confortante, todo aquele que cuida
da Terra-Mãe.
São as
ações devastadoras do homem perante o meio ambiente que provocam as mudanças
climáticas que acabam afetando todo o seu bem-estar. Torna-se inconsistente
reclamar quando é o próprio indivíduo o culpado pelo aumento da temperatura
planetária. Tudo é reação advinda de uma ação. Mais cedo ou mais tarde a
natureza dá o troco a quem dela se arvora destrutivamente. Tanto o calor como
as enchentes, as estiagens e os desmoronamentos, o desaparecimento de fontes de
água e a infertilidade da terra, tudo isso é consequência da insensatez humana
perante o seu meio natural.
O forno
aberto de agora é mínima consequência diante do que virá. Quem destrói o
telhado de sua casa não deve estranhar a ação da chuva, do sol e da ventania. E
quem destrói a vida planetária, as proteções naturais e faz do ambiente natural
um campo aberto e ressequido, deverá esperar o que no futuro? O planeta já
suportou demais tanta degradação. Um dia a mudez balbucia e grita. Eis então,
em forma de calor e de agonia humana, a prestação de contas contra seu algoz.
Não quero
acreditar, mas dizem que cenas verdadeiramente burlescas são avistáveis nestes
dias de uma Aracaju pegando fogo. Gente correndo em direção à Rua da Frente
para se atirar às águas, gente tendo acessos e rasgando todas as roupas, gente
saqueando isopores de venda de água. E também casos de surgimento de labaredas
pelo corpo. Talvez seja lorota, mas o calor de mil sóis ninguém pode negar.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário