SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 16 de abril de 2015

DENTRO DO FORNO


Rangel Alves da Costa*


A cada dia aumenta a certeza que o mundo vai acabar mesmo através do fogo. Se o fim dos tempos dos dinossauros se deu com a queda de um imenso asteroide sobre a terra, dizimando grande parte da vida planetária, o fim do mundo presente parece mesmo que se dará pela chama ardente. E fogo vindo do sol, em forma de calor. Os sinais já estão aí, a cada ano, com as temperaturas ficando elevadas a níveis quase insuportáveis.
A profecia está escrita nos termómetros, nos corpos abrasados pelo insuportável calor, nas altíssimas temperaturas do amanhecer ao anoitecer, nos horizontes que parecem crepitando, nos mormaços que são verdadeiras fornalhas. Não há um só ser humano que já não venha sentindo o fogo desse juízo final. Eclesiastes certamente diria que há um tempo de frio e um tempo de calor, um tempo de brisa e um tempo de sopro ardente, mas sua assertiva seria colocada em dúvida na realidade presente. Há só um tempo, o de calor.
Os estudos meteorológicos também asseveram o fim da humanidade através das chamas. E assim porque os pesquisadores são unânimes em afirmar que a temperatura da terra será mais elevada a cada ano. Ora, se o calor intolerável de hoje será superado pelo do próximo ano, e assim em diante, logicamente que chegará a um ponto de ebulição, de fervura. E de repente o mundo numa chama só. Para uma ideia dessa mudança climática basta lançar um olhar para Aracaju de trinta anos atrás, quando os casacos de frio eram costumeiros a partir do mês de junho. De uns anos para cá nem doente suporta mais usar uma roupa mais aquecida.
Alguém até poderia dizer que o verão nordestino sempre chega acompanhado de elevadas temperaturas. Mas o verão já passou e o outono parece ter redobrado o calor. A noite cai em torno dos trinta graus e amanhece já soltando fumaça. Quando o sol desponta de vez então fica até difícil para que os termômetros acompanhem os níveis cada vez mais altos das labaredas. Daí uma certeza: não há termômetro que aponte o grau exato, vez que o verdadeiro calor está mesmo na sensação térmica. E o povo fumaçando não deixa mentir.
A verdade é que nos últimos dias a temperatura vem batendo todos os recordes, com níveis aterrorizantes ao ser humano, ainda que acostumado ao sol nordestino escaldante. E tudo numa constância desalentadora. Quando o sol se esconde e imagina-se a chegada de uma brisa mais refrescante, logo se vê o engano. Portas e janelas abertas, cadeiras nas calçadas, banhos, sorvetes e refrigerantes, nada disso impede que o forno do tempo envolva o corpo inteiro.
A reclamação é uníssona por causa desse forno aberto diante de todos. E em Aracaju a situação é pior. Sendo cidade praieira, com uma imensa costa marítima ao redor, o sol acaba incidindo ainda mais forte e o vapor calorento vai impiedosamente avançando. O vento que chega da barra já vem com papel laminado para assar de forma igual. E tudo vai se transformando em dias e noites insuportáveis, com ruas parecendo tremer, asfaltos soltando fumaça, pessoas em tempo de enlouquecer.
Mas tudo isso já era esperado. É o próprio homem que vive colocando lenha na fogueira do universo. Cada planta que tira do chão, cada beira de riacho que desmata, cada fornalha que vai construindo e cada ação tomada contra a natureza, outra consequência não gera senão o aumento da temperatura e a degradação planetária. Daí que não é o sol que está mais próximo ou mais quente. É o homem cada vez mais frio, insensível e negligente perante os problemas ambientais. Ora, a natureza sopra com aragem perfumada, leve, confortante, todo aquele que cuida da Terra-Mãe.
São as ações devastadoras do homem perante o meio ambiente que provocam as mudanças climáticas que acabam afetando todo o seu bem-estar. Torna-se inconsistente reclamar quando é o próprio indivíduo o culpado pelo aumento da temperatura planetária. Tudo é reação advinda de uma ação. Mais cedo ou mais tarde a natureza dá o troco a quem dela se arvora destrutivamente. Tanto o calor como as enchentes, as estiagens e os desmoronamentos, o desaparecimento de fontes de água e a infertilidade da terra, tudo isso é consequência da insensatez humana perante o seu meio natural.
O forno aberto de agora é mínima consequência diante do que virá. Quem destrói o telhado de sua casa não deve estranhar a ação da chuva, do sol e da ventania. E quem destrói a vida planetária, as proteções naturais e faz do ambiente natural um campo aberto e ressequido, deverá esperar o que no futuro? O planeta já suportou demais tanta degradação. Um dia a mudez balbucia e grita. Eis então, em forma de calor e de agonia humana, a prestação de contas contra seu algoz.
Não quero acreditar, mas dizem que cenas verdadeiramente burlescas são avistáveis nestes dias de uma Aracaju pegando fogo. Gente correndo em direção à Rua da Frente para se atirar às águas, gente tendo acessos e rasgando todas as roupas, gente saqueando isopores de venda de água. E também casos de surgimento de labaredas pelo corpo. Talvez seja lorota, mas o calor de mil sóis ninguém pode negar.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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