Rangel Alves da Costa*
Agora é noite. E ela está lá fora e também
aqui onde estou. Uma noite escura, fechada, sem lua, querendo chover.
Ainda o mormaço quente do dia. Nenhuma brisa
sopra da barra e vem nesta direção. Uma noite quente e solitária, enegrecida e
triste.
Sempre triste é a noite sem lua e sem as
faíscas estreladas na imensidão. Uma poesia que se faz inversa e canta somente
a desolação.
De vez em quando saio lá fora e cato lá em
cima uma réstia de lua. Mesmo sem avistá-la sinto a lua em mim, tão imensa e
grandiosa como a minha saudade.
Sim, um misto de saudade e nostalgia, vontade
de reencontrar quem só resta na fotografia. Um dia caminhamos na noite e nos
prometemos jamais temer a escuridão.
Mas ela se fez. A escuridão se fez e nada
mais foi como o prometido, ao menos para mim. Temi a solidão como o lobo
subindo para o uivo na estepe.
E a lua grande me faz recordar a magia que
sempre existia em noites assim. Os mistérios noturnos ainda povoam meu
pensamento e minha saudade.
Mais uma vez segui até o portão e olhei para
o alto. Avistei a noite com todo o seu nome. O véu escurecido desceu sobre mim
e reconheci na sua face uma poesia de dor.
Não quero sofrer além do merecido. Que a
poesia triste desapareça na escuridão. Prometo escrever um poema de vida, ainda
somente restos recaiam no papel.
As ruas esvaziam rapidamente, as portas e
janelas se fecham, as pessoas se recolhem para os sonhos e pesadelos. Um gato
passa adiante. Alguém vira e esquina e some.
Não sei por que a noite está desse jeito,
vazia demais. Mais cedo os meninos brincaram, correram, fizeram algazarra,
viveram seu mundo. Mas tudo sumiu de repente.
Logo após o portão e a meninada chutando bola
de lado a outro, falando alto, quase gritando. Quando a mãe de um gritou que já
estava na hora, então os demais se dispersaram.
Talvez me falte agora esse barulho festivo,
essa vida pujante da meninada. O silêncio profundo vai abrindo a carne até
surgir o grito. E não gritarei senão debaixo da lua.
Mas não tem lua, não se avista um tiquinho
sequer de lua. As nuvens avançam e encobrem tudo. O ar abafado torna ainda mais
desalentado o momento.
Mas o que eu faria se a noite estivesse
diferente, com a lua brilhando lá em cima, estrelas fulgurantes ao redor, e a
escuridão apenas como pano de fundo sem afastar a magia?
O que eu faria se o luar parecesse descendo
ao redor e eu fosse esperá-lo de braços abertos? Apenas o sonhador, o
romântico, o poeta, o nostálgico diante de sua lua.
E certamente o misto de encanto e sofrimento
debaixo da lua. A beleza da lua não consegue afastar o sofrimento pela ausência
de alguém querido, pela saudade aflorada.
A força da lua é tamanha que o ser humano se
transforma completamente debaixo de sua luz. A alegria de repente se transforma
em dor e o olhar festivo se transmuda num rio.
Contudo, pior ainda é a noite sem lua, apenas
noite enegrecida e triste. E assim é o momento dessa lua ausente e da escuridão
que desce do alto e se alastra no sentimento.
A coruja não pia seu mau agouro nem o gato
preto passeia seu desatino. Não há a lua, apenas noite. E somente os seres
humanos sobem nos telhados para o doloroso uivo.
Talvez não haja mais lua nessa noite. Talvez
caia chuva mais tarde e as águas lavem as ruas e as almas tão escurecidas e
solitárias. E amanhã renasça a esperança de uma noite com luz.
Já se faz tarde demais. Não porque já passado
o momento de recolhimento para o repouso. Simplesmente porque nada se avista
além da noite sem outra cor.
Por isso fecho o portão e sigo até o quintal
antes do recolhimento. Um último olhar para a lua inexistente e certeza que a
noite dormirá comigo. Dentro de mim.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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