SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 11 de abril de 2015

VOOS SEM ASAS, SONHOS LIBERTÁRIOS


Rangel Alves da Costa*


Ah tempo, tempo, e como transforma tudo. Ainda ontem o jovem libertário, sonhador, anarquista na palavra e no pensamento, cheio de planos para reformar o mundo.
E que mundo sonhado! O mundo da plena liberdade, o mundo da igualdade realmente igual de direitos, o mundo sem imposições e impostos, o mundo comandado pela justiça natural.
Sonhos vermelhos, comunistas, socialistas, anarquistas, um entremeado de doutrinas contrárias ao status quo. Sonhos difíceis demais de ser alcançados, mas possíveis demais de ser sonhados.
Em tudo a bandeira de luta, a defesa da ideia, a ideologia esquerdista, a crítica aos detentores do poder e à ordem mundial escravocrata. Um outro mundo possível, ainda que fosse impossível mudar o mundo ao avesso.
Livros reacionários, panfletos, chamados, recortes, mensagens, escritos de próprio punho, tudo na mochila surrada e levada às costas aonde o sonhador fosse verbalizar seu sonho, sua utopia.
Roupa comum, um manifesto na camisa de malha, chinelo no pé, cabelo longo, cabelo ao vento. Uma mesa de bar, um trago, um cigarro, a ira reformadora, a impulsão da idade e do sonho querendo riscar o mapa e impor a ditadura do justo.
Marx, Lenin, Proudhon, Bakunin, Gramsci, Trotsky, Rosa Luxemburgo, doutrinadores revolucionários, libertários, como livros de cabeceira e de utopias revolucionárias.
O capitalismo era fera devoradora, o governo era o grande tirano, o poder era a fonte maior da corrupção, a propriedade um verdadeiro roubo praticado contra o estado natural das coisas.
A injustiça da escravização, da submissão do homem e de sua transformação em máquina reprodutora, a insignificância salarial imposta àqueles que mantinham a vida humana através do trabalho.
O Estado cruel e perverso não tinha razão de ser. Era preciso suprimi-lo e impor uma ditadura do proletariado. O bem comum seria comum entre todos, indistintamente, e nenhum homem seria alienado do fruto do próprio trabalho.
O homem era poderoso e suficiente para se autogovernar. Não deveriam existir classes sociais nem hierarquias de mando e poder. Para que as leis, as imposições, se o homem nasceu para ser livre e responsável pelos seus atos?
A condenação do homem seria consequência do juízo de sua moral. Somente o próprio ser humano para conhecer seus limites e saber até onde vai seu direito em relação ao outro.
Em tudo a liberdade, um querer e fazer segundo as próprias aspirações. Eis que o homem jamais deveria ter se afastado de seu estado natural para se tornar lobo do próprio homem.
Mas sonhos impossíveis, voo sem asas, horizontes perdidos cedo demais. Aquele momento era influenciado pela utopia, pelas promessas vermelhas, pelas bandeiras tremulando simbólicos anárquicos e socialistas.
O comunismo se fez ave agourenta, predadora, voraz, e não demorou muito para querer devorar o sonhador. Não era aquele mundo o desejado. Se outro mundo era possível, então que o fosse o construído pelo próprio homem.
Os livros foram deixados num canto, a mochila guardada, o chinelo de pé jogado fora, o cabelo cortado, a realidade chamada à vida. Mesmo o padecimento da vivência real seria mais tolerável que o sonho impossível.
A vida não é de direita nem de esquerda, não é comunista nem capitalista, não é legalista nem anarquista. A vida é apenas o silêncio da ideia e a palavra forjada de aceitação do momento.
Ninguém vive de sonhos impossíveis. As quimeras esvoaçam e somem no ar. E contrariado, e sofrido, porém de alma leve, o homem se deixa levar em voo atrás de um sonho mais justo: viver!
Vivenciei esse mundo, essa utopia? Não sei. Ou sei. Mas prefiro silenciar.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: