Rangel Alves da
Costa*
Ah tempo,
tempo, e como transforma tudo. Ainda ontem o jovem libertário, sonhador,
anarquista na palavra e no pensamento, cheio de planos para reformar o mundo.
E que
mundo sonhado! O mundo da plena liberdade, o mundo da igualdade realmente igual
de direitos, o mundo sem imposições e impostos, o mundo comandado pela justiça
natural.
Sonhos
vermelhos, comunistas, socialistas, anarquistas, um entremeado de doutrinas
contrárias ao status quo. Sonhos
difíceis demais de ser alcançados, mas possíveis demais de ser sonhados.
Em tudo a
bandeira de luta, a defesa da ideia, a ideologia esquerdista, a crítica aos
detentores do poder e à ordem mundial escravocrata. Um outro mundo possível,
ainda que fosse impossível mudar o mundo ao avesso.
Livros
reacionários, panfletos, chamados, recortes, mensagens, escritos de próprio
punho, tudo na mochila surrada e levada às costas aonde o sonhador fosse
verbalizar seu sonho, sua utopia.
Roupa
comum, um manifesto na camisa de malha, chinelo no pé, cabelo longo, cabelo ao
vento. Uma mesa de bar, um trago, um cigarro, a ira reformadora, a impulsão da
idade e do sonho querendo riscar o mapa e impor a ditadura do justo.
Marx,
Lenin, Proudhon, Bakunin, Gramsci, Trotsky, Rosa Luxemburgo, doutrinadores
revolucionários, libertários, como livros de cabeceira e de utopias
revolucionárias.
O
capitalismo era fera devoradora, o governo era o grande tirano, o poder era a
fonte maior da corrupção, a propriedade um verdadeiro roubo praticado contra o
estado natural das coisas.
A
injustiça da escravização, da submissão do homem e de sua transformação em
máquina reprodutora, a insignificância salarial imposta àqueles que mantinham a
vida humana através do trabalho.
O Estado
cruel e perverso não tinha razão de ser. Era preciso suprimi-lo e impor uma
ditadura do proletariado. O bem comum seria comum entre todos, indistintamente,
e nenhum homem seria alienado do fruto do próprio trabalho.
O homem
era poderoso e suficiente para se autogovernar. Não deveriam existir classes
sociais nem hierarquias de mando e poder. Para que as leis, as imposições, se o
homem nasceu para ser livre e responsável pelos seus atos?
A
condenação do homem seria consequência do juízo de sua moral. Somente o próprio
ser humano para conhecer seus limites e saber até onde vai seu direito em
relação ao outro.
Em tudo a
liberdade, um querer e fazer segundo as próprias aspirações. Eis que o homem
jamais deveria ter se afastado de seu estado natural para se tornar lobo do
próprio homem.
Mas sonhos
impossíveis, voo sem asas, horizontes perdidos cedo demais. Aquele momento era
influenciado pela utopia, pelas promessas vermelhas, pelas bandeiras tremulando
simbólicos anárquicos e socialistas.
O
comunismo se fez ave agourenta, predadora, voraz, e não demorou muito para
querer devorar o sonhador. Não era aquele mundo o desejado. Se outro mundo era
possível, então que o fosse o construído pelo próprio homem.
Os livros
foram deixados num canto, a mochila guardada, o chinelo de pé jogado fora, o
cabelo cortado, a realidade chamada à vida. Mesmo o padecimento da vivência
real seria mais tolerável que o sonho impossível.
A vida não
é de direita nem de esquerda, não é comunista nem capitalista, não é legalista
nem anarquista. A vida é apenas o silêncio da ideia e a palavra forjada de
aceitação do momento.
Ninguém
vive de sonhos impossíveis. As quimeras esvoaçam e somem no ar. E contrariado,
e sofrido, porém de alma leve, o homem se deixa levar em voo atrás de um sonho
mais justo: viver!
Vivenciei
esse mundo, essa utopia? Não sei. Ou sei. Mas prefiro silenciar.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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