Rangel Alves da
Costa*
Nem sempre
os mais velhos recordam, e por isso mesmo os mais jovens não têm obrigação
alguma de conhecer. Mas seria bom que a juventude do tempo presente conhecesse
um pouco mais do passado do seu lugar, sua história, suas raízes culturais, o
seu povo.
Talvez nem
os Souza nem os Cardoso de hoje, que foram as primeiras famílias na povoação de
Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, ainda no arruado do Poço de Cima,
conheçam a importância histórica de sua linhagem na formação do município.
Do mesmo
modo os Saturnino, os Francelino, os Feitosa, os Marques, os Félix, os Santana,
os Costa, os Rodrigues, os Sá, os Nascimento, e tantas outras designações
familiares, nem sempre são conhecidas nas suas raízes pelos mais jovens.
Possuem a linhagem no sobrenome, porém não conhecem as raízes familiares tanto
do pai como da mãe.
Um Cardoso
de hoje talvez não saiba quem foi Manoel Cardoso de Souza, aquele que ao se
instalar com uma pequena fábrica de descaroçar algodão no Poço de Cima permitiu
o surgimento de moradias ao redor e um acanhado povoamento.
Acanhado
porque o Poço de Cima nunca passou de apenas algumas moradias no entorno das
matas e pastagens de criação. Como em época de estiagem os moradores desciam
com seus rebanhos para dar água no Riacho Jacaré, um pouco mais abaixo, algumas
moradias foram surgindo às suas margens.
Assim,
primeiro surgiu o Poço de Cima, e mais abaixo o Poço de Baixo. Porém não havia
poço algum, nem na parte de cima nem na de baixo, que justificasse tal nome. O
que existia era um poço grande, redondo, aberto nas areias do Jacaré, servindo
para matar a sede do pequeno rebanho.
O tal poço
grande e redondo continuamente servindo àqueles que desciam com rebanhos do
Poço de Cima para o Poço de Baixo, ou mesmo nas propriedades já existentes ao
redor, acabou dando outro nome ao lugar: Poço Redondo.
Quando os
criadores passavam com seus rebanhos e eram perguntados aonde iam dar de beber
aos animais, logo respondiam que iam ao poço redondo. Desse modo, do poço
arredondado cavado no leito do Jacaré é que surgiu o nome da futura povoação.
E um Poço
Redondo de muito mais história do que imagina o seu filho de hoje. Cravado nas
terras mais áridas do sertão sergipano, se estende tão longamente que vai dar
nos limites da Bahia, em Serra Negra, bem como na divisa alagoana de Pão de
Açúcar e outros municípios.
Virgulino
Ferreira, o Capitão Lampião, tinha predileção pelo lugar e o visitava
constantemente. Amigo de Teotônio Alves China, o China do Poço, passava dos
limites diante da buchada de bode preparada por Dona Marieta. Um dia encontrou
o Padre Arthur Passos na casa do bom amigo e quase a cruz desafia a espada.
Acabaram dividindo a mesa e depois a cangaceirada foi assistir missa na
igrejinha de Nossa Senhora da Conceição.
Não só
Lampião gostava de Poço Redondo como a juventude de então parecia encantada com
aqueles verdadeiros artistas das caatingas. E mais de duas dezenas de rapazes e
mocinhas resolveram seguir os passos do Capitão. Adília, Sila, Cajazeira (Zé de
Julião), sua esposa Enedina, Zabelê, dentre muitos outros. E foi ainda nas suas
terras, na Gruta do Angico, que o bando foi chacinado a 28 de julho de 38.
Na sua
caminhada missionária, um dia Antônio Conselheiro, acompanhado de um séquito de
fanáticos, despontou nas veredas poço-redondenses e entre uma profecia e outra
foi fincando os alicerces da igrejinha do Curralinho, bem no alto da povoação
ribeirinha. E a igrejinha ainda está lá para contar sua história, ainda que
ninguém queira ouvir. Uma pena que assim aconteça.
O sangue e
o suor da escravidão ainda de triste memória nas terras do Bonsucesso, povoação
ribeirinha do município. Ainda hoje se ouve, nos negrumes dolorosos das noites,
a chibata lanhando o couro negro na juntada de pedra sobre pedra na construção
da muralha ainda viva em resquícios ao fundo do casarão defronte ao rio.
Pela
estrada do Curralinho João de Virgílio fazia seu percurso diário. Sempre descalço,
com cigarro de palha no bico, todo santo dia, e sempre mais de uma vez, levava
e trazia nas costas encomendas dos outros. Sacos, embrulhos e até caixão de
defunto. Um dia foi encontrado sem vida no meio da estrada.
A cidade
inteira se preparava para a festa de agosto, homenagem à padroeira. Seu João
Fotógrafo armava seu tripé pelas calçadas para guardar sorrisos em preto e
branco. Manezinho Tem-Tem aparecia com sua caixa de engraxate e deixava
brilhando todo pé sertanejo. O parque era uma festa particular e após o
entardecer, quando o alto falante ecoava O Milionário e a garotada corria a
gastar sua moeda do dia.
Minha boca
adoça ao recordar a cocada de Dona Quininha, Clotilde e Cecília de Duié. As
duas especializadas no doce de coco, enquanto a última uma mão de fada na
cocada de cabeça de frade. Já Dona Luizinha preparava pirulitos de mel e Baíta
espalhava seu arroz doce pela cidade inteira. Reclamavam que era ralo, mas
ninguém ficava em apenas um copo.
Assim Poço
Redondo. Assim retalhos de sua história. E quem dera poder estender essa imensa
colcha aos olhos da juventude. E dizer ainda que suas histórias também estão
sendo costuradas. E não remendadas.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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