Rangel Alves da Costa*
O que a religiosidade vem perdendo de adeptos
aos ritos próprios da Semana Santa se contrapõe ao que o comércio vem ganhando
no mesmo período e nome daquela tradição. Quer dizer, enquanto as missas, as
vigílias, as procissões e os rituais de penitência ficam cada vez mais
esvaziados, mais o comércio especializado em ovos de páscoa se entope de gente
querendo levar seus chocolates a todo custo.
Quanto ao esvaziamento dos cultos católicos
não há necessidade de explanação maior, pois basta visitar igrejas para
observar o quanto os fiéis estão se distanciando das eucaristias e dos
ensinamentos cristãos. Geralmente as mesmas beatas são encontradas e poucas são
as feições novas que deixam seus afazeres cotidianos em nome do fortalecimento
espiritual. Talvez o mesmo venha
ocorrendo nos corações e nos lares. São poucos os templos erguidos para Deus
dentro do próprio ser. As orações perante os oratórios ou nos recantos
apropriados para a hora da Ave Maria também não ecoam mais como noutros tempos.
Mas é outra feição da religiosidade, ou a
tradição advinda de seu calendário, que inversamente se expande a cada ano. A
tradição de presentear filhos e amigos com ovos de páscoa parece expandida a
cada ano. E também parece não haver qualquer crise que afaste ou diminua a procura
e a compra dessa guloseima que possui mais enfeite e preço que qualquer outra
coisa. Se paga um preço absurdo – os olhos da cara, como diz o outro – para
encontrar lá dentro um nadica de nada de chocolate.
Desde o início do ano que as lojas e supermercados
preparavam espaços próprios para os ovos da páscoa. Nas prateleiras ou
pendurados, os embrulhos enfeitados pareciam dizer que venha e me compre, pois
sou o mais bonito e o mais gostoso. A cabeça batia num objeto e ao olhar para o
alto lá estava o ovo querendo dizer que sou seu. Os olhos se voltavam numa
direção e logo encontravam um coelhinho de oitenta reais quase pulando por cima.
Um verdadeiro galinheiro pascal de um mundo consumista desenfreado.
Na quinta-feira, dia 02, caminhando pelo
centro da capital sergipana, tive que presenciar cenas verdadeiramente
espantosas por causa dos ditos ovos de páscoa. Do calçadão avistei uma imensa
fila dobrando a esquina e estranhei demais aquelas pessoas debaixo de sol
escaldante, suadas, esbaforidas, quase desmaiando pelo tempo de espera. Pensei
que era fila de casa lotérica ou de ponto de banco, mas não. A fila caminhava
em direção a uma loja da Cacau Show. E que por sinal estava de portas baixadas
para controlar o acesso, sob pena de uma furiosa invasão.
Fiquei sem querer acreditar no que via, mas
acabei esquecendo aquela visão diante de outra cena numa loja mais adiante. Do
lado de fora, olhei para o interior e percebi que estava com muito mais gente
que na normalidade dos dias. Entrei para ver se aquela multidão era motivada
por alguma oferta irresistível, mas logo tomei pé da situação: todo mundo procurando,
catando, avançando sobre os ovos de páscoa ainda existentes. E era disputa tão
grande que até brigas, bate-bocas e trocas de tapas existiam ali.
Percebi quando duas se atracaram por causa de
um ovo médio e acabaram deixando o embrulho todo esmagado ao chão. Nem eu nem
você, sua sirigaita, disse uma ao se levantar descabelada. Ao que a outra
respondeu: Pois é, sua cachorra, nem o ovo nem a casca. Coisa lamentável
demais. Contudo, ainda pior foi quando uma avançou sobre dois ovos que estavam
nas mãos de outra e esta revidou com um sopapo na cara. Bateu e disse que se
ela fosse mulher que tentasse surrupiar os seus ovos novamente. Então a outra
nem pensou duas vezes e partiu pra cima pronta para a desforra. Mas não sei
qual o resultado final, pois eu já estava quase correndo na calçada.
Ainda meio atordoado pelas ocorrências
inusitadas, mais adiante olhei para trás e me senti como se estivesse noutro
mundo. Não era o mundo de gente, de pessoas comuns, normais, racionais, mas de
indivíduos sem face. E no lugar da cabeça um ovo de páscoa.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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