Rangel Alves da Costa*
João, José, Antônio, Pedro, Raimundo,
Sebastião e Luís, pela ordem de idade, eis os nomes dos meninos. Os mesmos
meninos que eram mais conhecidos pelos seus apelidos: Tiziu, Pardal, Calango,
Velame, Sanhaço, Arupemba e Carcará. Seus pais: João José dos Santos e Maria
Euflosina dos Santos.
Eram, pois, sete meninos os filhos de Seu
João e Dona Maria. Nenhuma menina havia nascido do casal de sertanejos. E os
filhos vindo ao mundo como uma escadinha, um após o outro, num embuchamento tão
próprio das distâncias escondidas das vastidões sertanejas. Quem olhasse pra um
parecia estar vendo o outro.
A diferença de idade era pouca entre um e
outro, considerando a mesma linhagem familiar. João, o mais velho, não passava
dos treze anos, enquanto Luís, o mais novo contava apenas com dois. Mas quem
olhasse para o mais velho não diferenciava em nada do terceiro dos filhos, pois
tudo na mesma feição miúda, magra, desalentada.
Era a pobreza dos pais, com todos vivendo em
permanente situação de miséria, que tornava aquela família como personagens de
um quadro humanamente doloroso de Portinari: Os miseráveis dos sertões
nordestinos, os entristecidos e esqueléticos, os relegados ao esquecimento.
A secura da terra era a mesma secura da boca,
do olhar, do estômago, da vida. A estiagem do tempo era a mesma estiagem do
fogão de lenha, da panela de barro, da moringa e do pote. A escassez de vida
pelas paisagens era a mesma escassez de sonhos, desejos, alentos esperançosos.
E que moldura repetidamente triste a desse
quadro nordestino ainda presente nas paredes das brenhas sertanejas: Um casebre
de cipó e barro, uma moradia de mesa de estaca e tamborete de tronco de pau, um
fogão de lenha, uma rede, esteiras pelo chão de barro. E lá dentro ou lá fora,
pelos arredores esturricados, uma família.
A família de João e Maria e seus sete
meninos: Tiziu, Pardal, Calango, Velame, Sanhaço, Arupemba e Carcará. Do menor
ao maior, tudo escondendo por dentro o desejo de simplesmente ser iguais aos
demais meninos, às demais pessoas da vida. E como são os meninos e as pessoas
da vida?
Ora, geralmente se imagina que aos meninos é
destinado um tempo diferenciado de felicidade na vida. A meninice é uma fase de
brincar, de sorrir, de contentamento, desejos e aspirações. E a normalidade da
vida como o caminho de trabalho, de construção, de constante busca por dias
melhores.
Mas o que fazer perante um meio e uma
realidade que nega a plena vivência da meninice e o trabalho do adulto? O que
fazer num meio onde a terra se nega a vingar qualquer semente e os meninos que
por ela caminham não tem direito à felicidade da meninice, por lhes faltar a
comida, a escola, o lápis, o caderno, o brinquedo, o sonho, a infância?
João, o maior, apelidado de Tiziu, já
compreendendo a realidade em que vive, espera somente ter mais idade para tomar
a estrada e seguir adiante. Enquanto isso some na mataria e vai chorar por cima
da pedra grande.
José, ou Pardal, foi se tornando cada vez
mais emudecido. Praticamente não fala nada com os pais ou os irmãos. Contudo,
seus pais avistam nos seus olhos todas as palavras que poderia dizer. E o olhar
está sempre distante e entristecido.
Antônio, ou Calango, ganhou esse apelido
porque gosta de correr pela terra seca atrás de calango sertanejo. Mas nem
sempre como brincadeira, pois os seus pais já o avistaram colocando o pequeno
corredor em cima da brasa. E depois comer escondido.
Pedro, ou Velame, bem poderia ser chamado de
Folha Seca de tão magrelo e amiudado que é. Costuma passar o dia inteiro nos
fundos da casa se dizendo fazendeiro, pois possui duas pontas de vaca que cuida
com carinho e aboio.
Raimundo, ou Sanhaço, parece nascido para a
enfermidade. Sua magreza é tamanha que mais parece feito só de costelas. Frágil
demais, caminha até a porta e retorna para a sua esteira estendida num canto.
Sebastião, ou Arupemba, tão pequenino quanto
o mais novo, não faz na vida outra coisa senão chorar por comida. Como o
alimento é coisa rara ali, de vez em quando a mãe é forçada a colocar folha de
juazeiro na boca.
Já Luís, ou Carcará, o mais novo, não está
nem aí para a vida ou para o que aconteça ao redor. Seu interesse é com o barro
da parede e assim vai se fartando o dia inteiro. Amanhece e anoitece com o
barro da vida.
Assim vivem os sete meninos. Assim vivem também
João e Maria. E assim uma infinidade de famílias e meninos pelos sertões afora.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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