SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 17 de abril de 2015

O SER E O TEMPO


Rangel Alves da Costa*


Apenas raramente o ser humano se reconhece envelhecendo. Parece nunca ter tempo para se mirar diante do espelho, para calmamente se observar e avistar sem medo suas marcas, rugas e cicatrizes.
Muitos temem os anos, negam a idade, praticamente se mumificam com cremes e melações. Remédios, vitaminas, fórmulas químicas e invencionices são cada vez mais utilizados por aqueles que tentam retardar o inevitável. A aparência pode petrificar, mas o ser biológico não.
Há uma luta titânica contra as marcas do tempo, as fragilidades do corpo, a data do nascimento. Muitos preferem apedrejamento a dizer a idade. Mas por que, se apenas a aparência nada significa diante da idade da mente, do espírito, da alma, do funcionamento orgânico?
Conheço pessoas que entristecem ao se deparar com aqueles que ontem avistaram no berço. E tem gente que chora por dentro ao encontrar alguém que ontem era criança e agora já está adulto. Outras sentem um verdadeiro infortúnio quando encontram netos ou bisnetos de suas amigas. Mas por que isso ocorre?
Ora, só há uma explicação. A maioria das pessoas só reconhece que está envelhecendo pela idade dos outros. Quando encontra um amigo e este apresenta um jovem e diz que é seu filho, então o mundo desaba. Se o filho de seu amigo, que é praticamente de sua idade, já está assim, então a soma recai sobre si.
Não é raro ouvir alguém dizendo que um dia colocou no colo aquela que já está moça feita. Uns quinze anos se passaram sem a pessoa querer perceber o quanto foi envelhecendo. E o mais inacreditável é que esta pessoa vai continuar se achando com a mesma jovialidade e disposição da outra.
A verdade é que o homem se imagina numa constância imutável. Recorda que já foi criança, mas não imagina o quanto foi mudando na estrada. Reconhece a idade, mas não os anos de transformação. Mesmo numa idade avançada, ainda assim insiste em dizer que se sente como o jovem de outrora.
O egoísmo e a vaidade se excedem quando diz respeito ao ânimo físico, à compleição corporal, à feição. Por não considerar o que avista no espelho, simplesmente começa a viver como se bebesse da fonte da juventude ou do elixir da longa vida. Por consequência, ainda se imagina o mesmo de muitos anos atrás.
Tal fato provoca situações verdadeiramente constrangedoras, porém muito mais aos outros que aos próprios personagens. São casos ridículos de idosos forçando posturas e comportamentos de jovens. Homens se imaginando brotinhos, mulheres querendo forçar cocotice.
O empanturramento de vitaminas energizantes e afrodisíacos é um bom exemplo de como o homem procura, a todo custo, manter uma aparência que realmente não possui. Cuida de se mostrar naquilo que já não é. Ao invés de se cuidar com constância, procura revigoramento apenas em situações pontuais. E nem sempre com bons resultados.
Alguns fazem das cirurgias estéticas uma forma de colocar por cima de si verdadeiras máscaras. Por consequência, muitas vezes são avistados de forma irreconhecível. Lábios parecendo fora do rosto, olhos repuxados à testa ou querendo chegar às orelhas, narizes pontudos demais, uns verdadeiros monstros em cima de pessoas.
Assim acontece não só pela vaidade pessoal, mas principalmente para fugir da idade. Mas que maluquice, pois igual à natureza a idade cobra tudo que contra ela é feito. Mas iludir a quem se a máscara haverá de cair acaso consiga ludibriar alguém pela aparência? E não é sem razão quando se diz que o corpo se conhece na nudez e a beleza do rosto ao acordar.
Muitos aspectos devem ser considerados em situações tais. Além do espelho refletindo a imagem, há também o espelho moral, ético e da alma. Ninguém é capaz de se negar por tanto tempo ou não querer se reconhecer como verdadeiramente é sem que os outros reconheçam sua contradição.
Não é difícil perceber quando já não se é mais criança ou adolescente, quando a pétala da pele começa a se tornar em folha frágil, quando a força física já não corresponde ao impulso desejado. Ainda assim há gente que tudo faz para negar a existência de cabelos brancos. E muitos gritos são ouvidos com a descoberta de rugas.
A vida humana é feita de quadros com imagens diferentes da mesma pessoa. Tudo seria mais bem percebido se a cada final de ano uma fotografia do momento fosse guardada num álbum. E ao final de cada cinco anos a pessoa fosse se avistando nos retratos passados. Outrora a face nova, sorridente. Depois a feição de quem vive lutando. E mais adiante o aspecto transformado pelo tempo e pela idade.
Aceitar a idade e suas consequências é sabedoria que engradece e dignifica. Aquele que vive o seu tempo segundo o tempo de sua existência é também aquele que não se perde pelos caminhos. A idade ensina e o passo segue o ensinamento, ainda que tendo à mão um cajado.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Élys disse...

Como é bom viver o dia a dia e perceber que tempo passa trazendo com ele ensinamentos para que possamos ganhar cada vez mais experiência e com ela evoluir.
Com 77 anos estou muito feliz. Um abraço,
Élys.