Rangel Alves da Costa*
Apenas raramente o ser humano se reconhece
envelhecendo. Parece nunca ter tempo para se mirar diante do espelho, para
calmamente se observar e avistar sem medo suas marcas, rugas e cicatrizes.
Muitos temem os anos, negam a idade,
praticamente se mumificam com cremes e melações. Remédios, vitaminas, fórmulas
químicas e invencionices são cada vez mais utilizados por aqueles que tentam
retardar o inevitável. A aparência pode petrificar, mas o ser biológico não.
Há uma luta titânica contra as marcas do
tempo, as fragilidades do corpo, a data do nascimento. Muitos preferem
apedrejamento a dizer a idade. Mas por que, se apenas a aparência nada
significa diante da idade da mente, do espírito, da alma, do funcionamento orgânico?
Conheço pessoas que entristecem ao se deparar
com aqueles que ontem avistaram no berço. E tem gente que chora por dentro ao
encontrar alguém que ontem era criança e agora já está adulto. Outras sentem um
verdadeiro infortúnio quando encontram netos ou bisnetos de suas amigas. Mas
por que isso ocorre?
Ora, só há uma explicação. A maioria das
pessoas só reconhece que está envelhecendo pela idade dos outros. Quando
encontra um amigo e este apresenta um jovem e diz que é seu filho, então o
mundo desaba. Se o filho de seu amigo, que é praticamente de sua idade, já está
assim, então a soma recai sobre si.
Não é raro ouvir alguém dizendo que um dia
colocou no colo aquela que já está moça feita. Uns quinze anos se passaram sem
a pessoa querer perceber o quanto foi envelhecendo. E o mais inacreditável é
que esta pessoa vai continuar se achando com a mesma jovialidade e disposição
da outra.
A verdade é que o homem se imagina numa
constância imutável. Recorda que já foi criança, mas não imagina o quanto foi
mudando na estrada. Reconhece a idade, mas não os anos de transformação. Mesmo
numa idade avançada, ainda assim insiste em dizer que se sente como o jovem de
outrora.
O egoísmo e a vaidade se excedem quando diz
respeito ao ânimo físico, à compleição corporal, à feição. Por não considerar o
que avista no espelho, simplesmente começa a viver como se bebesse da fonte da
juventude ou do elixir da longa vida. Por consequência, ainda se imagina o
mesmo de muitos anos atrás.
Tal fato provoca situações verdadeiramente
constrangedoras, porém muito mais aos outros que aos próprios personagens. São
casos ridículos de idosos forçando posturas e comportamentos de jovens. Homens
se imaginando brotinhos, mulheres querendo forçar cocotice.
O empanturramento de vitaminas energizantes e
afrodisíacos é um bom exemplo de como o homem procura, a todo custo, manter uma
aparência que realmente não possui. Cuida de se mostrar naquilo que já não é.
Ao invés de se cuidar com constância, procura revigoramento apenas em situações
pontuais. E nem sempre com bons resultados.
Alguns fazem das cirurgias estéticas uma
forma de colocar por cima de si verdadeiras máscaras. Por consequência, muitas
vezes são avistados de forma irreconhecível. Lábios parecendo fora do rosto,
olhos repuxados à testa ou querendo chegar às orelhas, narizes pontudos demais,
uns verdadeiros monstros em cima de pessoas.
Assim acontece não só pela vaidade pessoal,
mas principalmente para fugir da idade. Mas que maluquice, pois igual à
natureza a idade cobra tudo que contra ela é feito. Mas iludir a quem se a
máscara haverá de cair acaso consiga ludibriar alguém pela aparência? E não é
sem razão quando se diz que o corpo se conhece na nudez e a beleza do rosto ao
acordar.
Muitos aspectos devem ser considerados em
situações tais. Além do espelho refletindo a imagem, há também o espelho moral,
ético e da alma. Ninguém é capaz de se negar por tanto tempo ou não querer se
reconhecer como verdadeiramente é sem que os outros reconheçam sua contradição.
Não é difícil perceber quando já não se é
mais criança ou adolescente, quando a pétala da pele começa a se tornar em
folha frágil, quando a força física já não corresponde ao impulso desejado.
Ainda assim há gente que tudo faz para negar a existência de cabelos brancos. E
muitos gritos são ouvidos com a descoberta de rugas.
A vida humana é feita de quadros com imagens
diferentes da mesma pessoa. Tudo seria mais bem percebido se a cada final de
ano uma fotografia do momento fosse guardada num álbum. E ao final de cada
cinco anos a pessoa fosse se avistando nos retratos passados. Outrora a face
nova, sorridente. Depois a feição de quem vive lutando. E mais adiante o
aspecto transformado pelo tempo e pela idade.
Aceitar a idade e suas consequências é
sabedoria que engradece e dignifica. Aquele que vive o seu tempo segundo o
tempo de sua existência é também aquele que não se perde pelos caminhos. A
idade ensina e o passo segue o ensinamento, ainda que tendo à mão um cajado.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Como é bom viver o dia a dia e perceber que tempo passa trazendo com ele ensinamentos para que possamos ganhar cada vez mais experiência e com ela evoluir.
Com 77 anos estou muito feliz. Um abraço,
Élys.
Postar um comentário