Rangel Alves da
Costa*
Vão-se os
anéis e ficam os dedos. É verdadeiramente difícil encontrar alguém que ainda
não tenha ouvido tal ditado popular. E também que enquanto os cães ladram a
caravana passa. Os dois ditados possuem quase o mesmo sentido. O primeiro
significando que não importa perder o supérfluo quando a essencialidade
permanece. E o segundo denotando que nenhuma ameaça pode impedir o prosseguimento
da caminhada.
No
contexto, os dois provérbios afirmam da força existente no ser humano para
superar os desafios, se refazer e seguir em frente. Por mais que valorosos
sejam os anéis, pois ornados de ouro ou enfeitados de diamantes ou pedrarias,
ainda assim jamais podem ser vistos como mais importantes que os dedos. Sem
onde colocá-los, perderiam sua destinação e sua importância material. Assim,
mesmo que sejam subtraídos ou desapareçam pelos acasos da vida, novamente
poderão ser adquiridos e recolocados no mesmo lugar. Mas sem os dedos nada
poderia alcançar o mesmo efeito.
Sua simbologia
é também de grande alcance. Os anéis são metáforas de aparências, de riquezas
materiais, de posses, de luxo, de egoísmos e vaidades. Fazem também lembrar os
supérfluos da vida aos quais as pessoas tanto se apegam, aos brilhos que
encantam sem produzir qualquer engrandecimento espiritual. Já os dedos
simbolizam a própria vida, a alma, o espírito, o ser humano na sua existência.
Dedos são as permanências, as bases, os troncos, sustentáculos e enlaçamentos
às realidades da vida. Os anéis apenas os enfeitam, mas tanto faz que estejam
por cima reluzindo.
Sem os
anéis os dedos permanecem para conquistar outros e mais valiosos enfeites
dourados. Sem os anéis os dedos se mostram mais livres, mais soltos e
desimpedidos para alcançar o que desejar. Sem os enfeites são mais reconhecidos
como tais, vez que as molduras acabam escondendo essencialidades nas coisas. E
sem os dedos apenas os anéis jogados, perdidos, esquecidos, guardados em baús
ou caixas de joias. Mesmo que os sentimentalismos amarguem tanto suas perdas,
difícil mesmo seria o refazimento se, ao invés das joias, os dedos é que fossem
levados.
Mas perder
os anéis e continuar com os dedos remete a muitas outras considerações. Em
primeiro lugar, coloca-se a vida como fator primordial no ser humano. O fato de
existir, de ser possuidor de uma vida, deve ser considerado como elemento
fundamental, de importância maior, vez que todo o restante poderá ser
conseguido através dela, da existência. É o fato de continuar existindo que
possibilita as conquistas, que torna possível ao homem ser merecedor, através
de sua luta e obstinação, daquilo que sonhou realizar.
Ora, tendo
a vida e nela a saúde, o encorajamento para lutar, a força para alcançar os
objetivos, o restante será apenas uma consequência. Mantendo-se a vida, todo o
resto pode oscilar ou surgir como momentâneo desacerto, pois ela permanece como
base fundamental para tudo conquistar, insistir e recomeçar. Em tal contexto,
de nada adiantaria o poder e a glória se a seiva da existência não passa de
aparência outonal e a próprio ser está fragilizado de tal modo que não
suportaria um sopro mais forte de ventania.
A outra
expressão, afirmando que a caravana passa enquanto os cães ladram, apenas
reforça a dualidade do efêmero e do essencial no ser humano. O latido ou ladrar
dos cães são de fortes simbologias. E simbolizam ameaças, surgimento de
empecilhos, tentativas de frustração da caminhada, problemas que surgem no meio
do caminho e que precisam ser vencidos. E os latidos sempre existirão, o homem
sempre os ouvirá ao despontar nas curvas da estrada. A intencionalidade maior é
para que recue, não prossiga, desista dos planos.
Mas o
ladrar dos cães significa também a inveja, a cobiça, a tentativa de provocar
insucessos ou minimizar as vitórias conseguidas. Sempre haverá uma boca maldosa
ou um coração mal-intencionado querendo destruir ou diminuir a força do próximo.
Tenta-se, obstinadamente, obscurecer o sucesso alcançado e relegar ao plano da
insignificância a vitória conseguida. E tudo por inveja, maldade, insensatez.
Mas haverá de continuar ladrando enquanto a perseverança segue adiante, sem dar
importância à pequeneza humana.
Os anéis e
os cães são, assim, forças aparentes que tentam subestimar a força do ser.
Nenhum anel é maior valioso ou importante que um dedo humano, nenhum cão pode
forçar o recuo com seu latido ameaçador. Será preciso seguir em frente sem se
submeter ao brilho do anel nem a ferocidade do cão. Ou assim age ou será
devorado pelas aparências exteriores.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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