*Rangel Alves da Costa
Nem sempre as tecnologias avançam sem retorno
aos seus primórdios. Exemplifica-se com o forçado retorno do uso do fogão de
lenha em lugar do fogão a gás. O que surgiu para resolver um problema, pois
trabalhoso demais ir à mata todo dia em busca de feixe de lenha para acender o
fogão, agora se transformou num problema ainda maior: o custo elevado do
botijão, tornando-o já inacessível a grande parte da população brasileira.
Somente este ano, seguidas foram as elevações
no preço do famoso gás de cozinha. E cozinhar de manhã, perto do meio dia e ao
anoitecer, ainda que não seja muita comida, tornou-se verdadeira preocupação
para a população mais carente. Mesmo economizando o máximo, levando ao fogo
apenas o necessário, a duração do gás permanece quase a mesma. O valor para
aquisição de outro botijão, contudo, totalmente desnorteou a renda familiar.
Não é todo dia que a família tem cerca de cem reais para a compra. E acaso
compre, será a troca do gás pelo alimento. Então cozinhar o que?
Com o uso da energia elétrica está ocorrendo
quase a mesma coisa, mas desta feita com um esforço incomum da população
carente para manter em casa um dois bicos de luz acesos. Como ocorre com o
preço do gás de cozinha, todo dia é noticiado mais um aumento na tarifa da
energia elétrica. Muita chuva motiva aumento, pouca chuva também, escassez nem
se fala. Logo colocam a culpa na natureza para sangrar ainda mais a já exaurida
pobreza. Fato é que nem todo mundo pode mais utilizar um luxo simples como um
ventilador.
Mesmo que o consumo seja mínimo, a conta
sempre chega e tem que ser paga em dia, na data, sob pena de logo haver o corte
no fornecimento. E quando a família faz as contas e percebe que todo o dinheiro
juntado não dá para pagar a farmácia, a água, o gás e a energia, então tudo
desanda de vez. Uma situação agravada ainda mais pelos sucessivos aumentos e a
diminuição da renda da família. Fato é que não raro a fatura não é paga, o
botijão seca e não um vintém para comprar outro botijão, a doença chega e não
há como comprar sequer um comprimido.
Uma situação deveras preocupante. Observa-se
um empobrecimento maior das classes menos favorecidas economicamente, e com a
pobreza forçada o retorno às práticas costumeiras em tempos mais antigos. A
única diferença existente é que naqueles idos sequer havia energia elétrica,
bico de luz, geladeira ou televisão. Era tudo no candeeiro mesmo, na lamparina
ou na placa. O luxo era ter um radinho e radiola, e estes utilizando pilhas
para o seu funcionamento. Sim, havia o preço do querosene e do pavio para o
candeeiro, também o custo da camisinha para a placa, mas um quase nada perto da
dificuldade que se tem hoje para pagar uma fatura.
Quanto ao fogão, fosse de chão, de forno de barro,
de cozinha, sempre a lenha do mato, o garrancho, o tronco cortado a machado
para alimentar suas chamas. Mesmo retirando a madeira da natureza, ainda num
tempo onde a retirada de algumas toras não produzia qualquer efeito danoso à
vegetação. Ademais, ou se ia atrás da madeira, da tora ou do feixe de lenha, ou
se tornava impossível botar no fogo a panela de barro. Mesmo comida pouca, era
por cima da chama ou do braseiro que a carne da caça era cozida, que a tripa e
o bucho eram passados na banha de porco, que o cuscuz perfumava todo o quintal,
que o café batido em pilão espalhava seu gostoso aroma por todo o lugar.
O problema não é só esse retorno indesejado
ao sacrifício de ir catar lenha e trazer o feixe na cabeça ou lombo do animal. Hoje
já não existe madeira como antigamente, a lenha está tão escassa que nem mesmo
aqueles moradores de casebres solitários conseguem mais encontrá-la pelos
arredores. Se no passado juntavam-se feixes e mais feixes pelos cantos das
cercas ou nos quartinhos de quintal, hoje seria um pesaroso trabalho a cata de
apenas uma porção para um cozido bem feito. Toda a mata foi derrubada, todo pé
de pau foi jogado abaixo pela serra ou pelo machado. E poucos teriam dinheiro
suficiente para comprar um carvão encarecido exatamente pela falta de madeira.
Foi o costume com as facilidades do gás de
cozinha e do bico de luz e da tomada que acabou renegando antigas práticas. Nem
pensar em ficar sem minha água gelada, minha novela ou a música no meu som,
logo diria uma. E outra certamente diria que prefere a escuridão a se submeter
à chama do candeeiro. Nem pensar em acender o pavio ou derramar gás no pequeno
bojo. Coisa de pobre, diriam por fim. Não seria diferente com relação ao fogão
de lenha. Catar cavaco ou pedaço de pau ninguém vai mais. E sem ter como
acender a boca do fogão, não há outra a fazer senão escolher o que vai ser
descartado naquele mês de miséria.
E se de repente faltar o gás de cozinha, o
bico aceso de luz e a água na torneira? Um desespero total que desde já muita
gente tem que ir se acostumando. Ou se reinventa ou vai padecer ainda mais com
os absurdos aumentos de todo dia.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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