SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

A REINVENÇÃO DO FOGÃO DE LENHA E DO CANDEEIRO


*Rangel Alves da Costa


Nem sempre as tecnologias avançam sem retorno aos seus primórdios. Exemplifica-se com o forçado retorno do uso do fogão de lenha em lugar do fogão a gás. O que surgiu para resolver um problema, pois trabalhoso demais ir à mata todo dia em busca de feixe de lenha para acender o fogão, agora se transformou num problema ainda maior: o custo elevado do botijão, tornando-o já inacessível a grande parte da população brasileira.
Somente este ano, seguidas foram as elevações no preço do famoso gás de cozinha. E cozinhar de manhã, perto do meio dia e ao anoitecer, ainda que não seja muita comida, tornou-se verdadeira preocupação para a população mais carente. Mesmo economizando o máximo, levando ao fogo apenas o necessário, a duração do gás permanece quase a mesma. O valor para aquisição de outro botijão, contudo, totalmente desnorteou a renda familiar. Não é todo dia que a família tem cerca de cem reais para a compra. E acaso compre, será a troca do gás pelo alimento. Então cozinhar o que?
Com o uso da energia elétrica está ocorrendo quase a mesma coisa, mas desta feita com um esforço incomum da população carente para manter em casa um dois bicos de luz acesos. Como ocorre com o preço do gás de cozinha, todo dia é noticiado mais um aumento na tarifa da energia elétrica. Muita chuva motiva aumento, pouca chuva também, escassez nem se fala. Logo colocam a culpa na natureza para sangrar ainda mais a já exaurida pobreza. Fato é que nem todo mundo pode mais utilizar um luxo simples como um ventilador.
Mesmo que o consumo seja mínimo, a conta sempre chega e tem que ser paga em dia, na data, sob pena de logo haver o corte no fornecimento. E quando a família faz as contas e percebe que todo o dinheiro juntado não dá para pagar a farmácia, a água, o gás e a energia, então tudo desanda de vez. Uma situação agravada ainda mais pelos sucessivos aumentos e a diminuição da renda da família. Fato é que não raro a fatura não é paga, o botijão seca e não um vintém para comprar outro botijão, a doença chega e não há como comprar sequer um comprimido.
Uma situação deveras preocupante. Observa-se um empobrecimento maior das classes menos favorecidas economicamente, e com a pobreza forçada o retorno às práticas costumeiras em tempos mais antigos. A única diferença existente é que naqueles idos sequer havia energia elétrica, bico de luz, geladeira ou televisão. Era tudo no candeeiro mesmo, na lamparina ou na placa. O luxo era ter um radinho e radiola, e estes utilizando pilhas para o seu funcionamento. Sim, havia o preço do querosene e do pavio para o candeeiro, também o custo da camisinha para a placa, mas um quase nada perto da dificuldade que se tem hoje para pagar uma fatura.
Quanto ao fogão, fosse de chão, de forno de barro, de cozinha, sempre a lenha do mato, o garrancho, o tronco cortado a machado para alimentar suas chamas. Mesmo retirando a madeira da natureza, ainda num tempo onde a retirada de algumas toras não produzia qualquer efeito danoso à vegetação. Ademais, ou se ia atrás da madeira, da tora ou do feixe de lenha, ou se tornava impossível botar no fogo a panela de barro. Mesmo comida pouca, era por cima da chama ou do braseiro que a carne da caça era cozida, que a tripa e o bucho eram passados na banha de porco, que o cuscuz perfumava todo o quintal, que o café batido em pilão espalhava seu gostoso aroma por todo o lugar.
O problema não é só esse retorno indesejado ao sacrifício de ir catar lenha e trazer o feixe na cabeça ou lombo do animal. Hoje já não existe madeira como antigamente, a lenha está tão escassa que nem mesmo aqueles moradores de casebres solitários conseguem mais encontrá-la pelos arredores. Se no passado juntavam-se feixes e mais feixes pelos cantos das cercas ou nos quartinhos de quintal, hoje seria um pesaroso trabalho a cata de apenas uma porção para um cozido bem feito. Toda a mata foi derrubada, todo pé de pau foi jogado abaixo pela serra ou pelo machado. E poucos teriam dinheiro suficiente para comprar um carvão encarecido exatamente pela falta de madeira.
Foi o costume com as facilidades do gás de cozinha e do bico de luz e da tomada que acabou renegando antigas práticas. Nem pensar em ficar sem minha água gelada, minha novela ou a música no meu som, logo diria uma. E outra certamente diria que prefere a escuridão a se submeter à chama do candeeiro. Nem pensar em acender o pavio ou derramar gás no pequeno bojo. Coisa de pobre, diriam por fim. Não seria diferente com relação ao fogão de lenha. Catar cavaco ou pedaço de pau ninguém vai mais. E sem ter como acender a boca do fogão, não há outra a fazer senão escolher o que vai ser descartado naquele mês de miséria.
E se de repente faltar o gás de cozinha, o bico aceso de luz e a água na torneira? Um desespero total que desde já muita gente tem que ir se acostumando. Ou se reinventa ou vai padecer ainda mais com os absurdos aumentos de todo dia.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: