*Rangel Alves da Costa
Já bebi rios, mares e oceanos, já entornei
desde o melhor vinho à cachaça de botequim, coisa que não faço mais já desde
acima de dez anos, por isso sei muito bem o que seja uma ressaca.
Não uma ressaquinha qualquer, assim como um
mal-estar depois de quase não levantar da cama. Não um enjozinho qualquer,
daqueles que passa com um bom banho. Mas ressaca daquelas mesmo, das brabas,
das vorazes, das matadeiras.
A verdadeira ressaca se incumbe de não
aceitar remédio nenhuma. Só é verdadeira a ressaca que deixa o cabra sem pé nem
cabeça, sem vontade de nada e negando tudo ao redor, sem qualquer desejo de
qualquer coisa.
Só é verdadeira a ressaca quando o sujeito
sente a cabeça maior que o corpo inteiro e nela nada mais há que uma roda
gigante subindo e descendo, remoendo tudo, chacoalhando, querendo se desprender
e lançar ao longe.
Não haverá ressaca se a cama não rodopiar, se
o estômago, ainda que vazia, deseje despejar pra fora um litro e meio de
qualquer coisa. Não haverá ressaca se o pé da cama onde está o chinelo não
parecer a coisa mais longe e mais difícil de alcançar.
Só se reconhece como ressaca aquela onde a
goteira se derrama por cima do corpo e a pessoa sequer sente que está chovendo,
quando a manhã já parece noite e a noite aparece com um sol imenso queimando
tudo.
Nada de sonhos, somente pesadelos. Nada de
sono, mas um adormecimento forjado na inércia e o desencorajamento para
levantar, para fazer qualquer coisa, até para viver. Nada de olhar para o relógio,
pois este é certamente o maior inimigo de alguém com ressaca.
Na ressaca, acaso um despertador solte o
alarme é como se um disparo estivesse sendo dado em direção à cabeça. E não
raro que a mão consegue alcançá-lo e arremessar na parede, ainda que jogado sem
qualquer direção.
Na ressaca grande, o sujeito ressacado
encontra a morte em vida. Ora, é um imprestável, um ser abjeto sem valia
alguma, um resto jogado num beiral de precipício, um ser que o mais desejado
naquele momento é de jamais ter nascido.
Não adianta chá milagroso, comprimido pra dor
de cabeça ou qualquer outra invenção humana. Não adianta caldo, escaldado ou
papinha. Não adianta leite, refrigerante ou qualquer líquido. Não adianta
sequer qualquer coisa. O ressacado decide até não querer mais viver.
A ressaca braba só passa com o passar do
tempo, e com início de recuperação somente no dia seguinte, depois que a pessoa
passa a se alimentar e repousar a contento. Sinal de que está indo embora se
avista quando a mão já consegue segurar um objeto sem tanto tremer.
Quanto mais a pessoa bebe água mais fica com
sede. Chega um instante que qualquer líquido se nega a entrar. Comida de jeito
nenhum. É comer e botar pra fora. Só de pensar em comida dá vontade de vomitar.
E o pior é que surge uma fome danada, mas não
adianta sequer olhar para um prato. Ao deitar, parece que o mundo gira sem
parar, dando até vontade de pedir para ser amarrado à cama.
Quer chorar, quer gritar, quer morrer. Sim,
quer morrer, pois toda ressaca possui uma propensão suicida, ainda que ninguém
já tenha tentado contra si mesmo por causa de uma ressaca mal resolvida.
Por fim, pensa até em beber logo outra para
equilibrar os nervos e retomar o ânimo na vida. Mas não adianta. Só há um
remédio: beber pouco e, principalmente, não beber.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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