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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

IMPOSSÍVEL DOMAR A PALAVRA ESCRITA


*Rangel Alves da Costa


Quem escreve sabe muito que as palavras de repente fogem, ganham vida própria, se lançam pelos seus próprios caminhos. A pessoa começa dizendo uma coisa, escrevendo uma coisa, mas de repente sua escrita já não obedece ao seu pensamento. Não que o autor solte as rédeas porque assim deseja, não que o escritor vá simplesmente deixando que o texto tome um destino próprio, mas simplesmente por que não consegue mais domá-lo.
A palavra, seja falada ou escrita, é arredia demais, perigosa demais, solta e traquina demais. Ainda é possível, através do silêncio e do comedimento, domar a voz, a palavra falada. Mas a palavra escrita, uma vez iniciada, torna-se completamente impossível de ser domada. Duvido que alguém - seja escritor ou não - consiga levar a cabo suas linhas sem que estas tenha dado volteios, ziguezagues, transformado em algo apenas parecido naquilo inicialmente desejado.
Sim, a pessoa senta para escrever e inicia seu texto com a idealização do que quer, porém não consegue firmar sua trama sem que acontecimentos ou situações cismem em modificar o planejado. O pior é que reorientada a ideia, nunca mais a idealização original retomará suas rédeas, pois daí em diante não será mais a pessoa que decidirá o que escrever ou não, mas tão somente aquilo que se impôs como realidade na escrita.
A escrita acaba tomando uma vida tão própria que aliena o autor de seu próprio texto. É como se ela dissesse que não precisa mais da criatividade, de inventividade ou direcionamento, pois sabe muito bem aonde quer ir e o que deseja até o ponto final. Por isso mesmo que uma história pensada para se passar numa cidadezinha interiorana, por exemplo, acaba terminando entre o cimento e o asfalto da cidade grande. Personagens que jamais foram imaginados acabam se intrometendo na história e até se tornam principais no restante da história.
Como dito, depois que a história toma suas próprias rédeas, resta somente ao escritor o cuidado para que tudo não se disperse aleatoriamente. E vai costurando, costurando, como um estranho ou subordinado às palavras. Observa-se, então, uma submissão do autor perante o seu texto. Como ocorre numa novela, onde a audiência e situações inesperadas acabam determinando novos rumos à história, assim também com qualquer texto escrito. Certamente que quem começa uma história já tem à mente um pano de fundo inicial, uma paisagem de meio e um horizonte final, mas nunca consegue seguir seu trajeto.
Ademais, a palavra cega e transforma tanto o autor que ele simplesmente vai se esquecendo do que foi escrito. Exemplo disso se verifica nas correções do escritos. Após escrever, por mais que leia duas ou três vezes, dificilmente o autor vai encontrar algo que omitiu sem querer. Ele nunca encontra uma palavra faltando ou uma dita a mais, nada. Somente outra pessoa consegue avistar as lacunas e os esquecimentos.
Mas isso não é tão ruim assim. Quem sabe se muitas dessas obras famosas não se tornaram assim pelas rédeas tomadas pela própria escrita. Mas também pela maestria dos autores em saber situar cada intromissão surgida no seu devido lugar, entrelaçando tudo e fazendo florescer uma obra-prima.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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