*Rangel Alves da Costa
Quem escreve sabe muito que as palavras de
repente fogem, ganham vida própria, se lançam pelos seus próprios caminhos. A
pessoa começa dizendo uma coisa, escrevendo uma coisa, mas de repente sua
escrita já não obedece ao seu pensamento. Não que o autor solte as rédeas
porque assim deseja, não que o escritor vá simplesmente deixando que o texto
tome um destino próprio, mas simplesmente por que não consegue mais domá-lo.
A palavra, seja falada ou escrita, é arredia
demais, perigosa demais, solta e traquina demais. Ainda é possível, através do
silêncio e do comedimento, domar a voz, a palavra falada. Mas a palavra
escrita, uma vez iniciada, torna-se completamente impossível de ser domada.
Duvido que alguém - seja escritor ou não - consiga levar a cabo suas linhas sem
que estas tenha dado volteios, ziguezagues, transformado em algo apenas
parecido naquilo inicialmente desejado.
Sim, a pessoa senta para escrever e inicia
seu texto com a idealização do que quer, porém não consegue firmar sua trama
sem que acontecimentos ou situações cismem em modificar o planejado. O pior é
que reorientada a ideia, nunca mais a idealização original retomará suas
rédeas, pois daí em diante não será mais a pessoa que decidirá o que escrever
ou não, mas tão somente aquilo que se impôs como realidade na escrita.
A escrita acaba tomando uma vida tão própria
que aliena o autor de seu próprio texto. É como se ela dissesse que não precisa
mais da criatividade, de inventividade ou direcionamento, pois sabe muito bem
aonde quer ir e o que deseja até o ponto final. Por isso mesmo que uma história
pensada para se passar numa cidadezinha interiorana, por exemplo, acaba
terminando entre o cimento e o asfalto da cidade grande. Personagens que jamais
foram imaginados acabam se intrometendo na história e até se tornam principais
no restante da história.
Como dito, depois que a história toma suas
próprias rédeas, resta somente ao escritor o cuidado para que tudo não se
disperse aleatoriamente. E vai costurando, costurando, como um estranho ou
subordinado às palavras. Observa-se, então, uma submissão do autor perante o
seu texto. Como ocorre numa novela, onde a audiência e situações inesperadas
acabam determinando novos rumos à história, assim também com qualquer texto
escrito. Certamente que quem começa uma história já tem à mente um pano de
fundo inicial, uma paisagem de meio e um horizonte final, mas nunca consegue
seguir seu trajeto.
Ademais, a palavra cega e transforma tanto o
autor que ele simplesmente vai se esquecendo do que foi escrito. Exemplo disso
se verifica nas correções do escritos. Após escrever, por mais que leia duas ou
três vezes, dificilmente o autor vai encontrar algo que omitiu sem querer. Ele
nunca encontra uma palavra faltando ou uma dita a mais, nada. Somente outra
pessoa consegue avistar as lacunas e os esquecimentos.
Mas isso não é tão ruim assim. Quem sabe se
muitas dessas obras famosas não se tornaram assim pelas rédeas tomadas pela própria
escrita. Mas também pela maestria dos autores em saber situar cada intromissão
surgida no seu devido lugar, entrelaçando tudo e fazendo florescer uma
obra-prima.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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