SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 9 de dezembro de 2017

Palavra Solta – o gato na manhã


*Rangel Alves da Costa


A noite inteira de gatos miando, gemendo, gritando, atiçando o telhado. Gemidos tão medonhos que causam espantos, miados tão tristonhos que causam arrepios. Talvez os amores derramados debaixo da lua, talvez as saudades choradas na noite, talvez os desejos aflorados na dor da solidão. E assim a noite inteira até a madrugada e além. E assim também todas as noites e madrugadas dos dias. Sempre os mesmos gatos com os seus noturnos de estranhezas e assombros. Contudo, difícil imaginar que a aurora chegue e a manhã desperte e de repente um gato ainda continue gemendo suas aflições no telhado. Mas assim acontece. Ao ouvir sua voz, logo abro a porta e miro em direção ao alto, no telhado, para avistar o bichano na sua agudeza melancólica sem fim. Já é manhã e ele continua ali, de repente miando uma infinita dor, de repente gemendo uma dor indecifrável. Então logo imagino o percurso da noite até chegar àquele triste instante. A noite inteira na solidão, a noite inteira desejando uma companhia, a noite inteira sentindo saudade, e após a madrugada a certeza de nada ter acontecido. Por isso tamanha dor na manhã e a inércia de tudo. Nem vontade de descer do telhado possui. O gato não imagina, contudo, que o meu telhado fica também ali e que choro e sofro a mesma dor da solidão e da saudade.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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