*Rangel Alves da Costa
Não nego que gosto de solidão. A solidão é
minha amiga, é minha confidente, é minha namorada. A solidão me completa. Mas
não em todos os instantes da vida.
Faço da solidão um mundo que pode ser
ajustado através do pensamento. Trago o que quero, busco o que desejo,
transformo o que me for conveniente. Pinto paisagens e faço surgir retratos
emoldurados daquilo que desejo.
Contudo, a solidão é mundo de instante. Até
por que, forçosamente, a porte se abre para outras realidades. Então nos
apartamos da solidão até a ele retornar num instante propício a vivenciá-la.
Outros instantes existem em que passamos a
sentir falta de determinadas pessoas, de pessoas que nos chegam como bons
encontros. Encontros e reencontros se tornam em instantes agradáveis e que
sempre somam afetos aos sentimentos.
Por isso mesmo que de vez em quando também
sinto falta de pessoas amigas. Gosto quando pessoas de minha estima entram pela
porta trazendo sorrisos e boas palavras. É sempre bom conversar com quem a
gente gosta.
Em períodos natalinos passados, por exemplo,
alguns amigos chegavam para abraços de felicitações. Alguns poucos, apenas, mas
suficiente para não me sentir tão esquecido num período tão nostálgico e
melancólico como o de final de ano.
Este ano, contudo, até agora não recebi uma
visita sequer. Hoje já é dia 24, data em que geralmente se comemora, sempre
antecipadamente, a natividade maior, e até o presente momento permaneço
esquecido pelos amigos.
Não sei se sinto falta ou estranheza. Também
nenhum telefonema nem mensagem virtual. Nada. Que eu saiba, não deixei de ter
amigos ou deles me afastei sem querer. Será que as transformações da vida estão
transformando também as amizades?
Não sei. Não sei. Não mudei de endereço nem
viajei até o presente momento. Não havia desaparecido para que soubessem que
não me encontrariam. Não mandei nenhuma mensagem dizendo que evitassem me
procurar.
Mas alguém haverá de indagar: Por que não vai
até eles? Porque eles sempre estão aqui quando desejam e necessitam e possuem
condução própria, o que muito facilita a locomoção. Já eu tenho de ir de taxi a
qualquer lugar mais afastado do centro.
O que mais estranhei, contudo, foi a ausência
total, plena, absoluta. Ninguém, absolutamente ninguém, veio me visitar. E
neste domingo certamente ninguém mais aparecerá. Viajam, preferem estar ao lado
da família, vão fazer compras de última hora.
Lembro-me agora daquela velha senhora que
sempre esperava suas fiéis amigas para o chá das cinco. Somente ela restando em
vida, ainda assim todo entardecer sentava ao redor de uma mesinha e mandava
servir chá com bolinhos de chuva.
O tempo passava, a noite chegava e ela ali
sentada, relembrando e relembrando, de olhos molhados e coração apertado. A
solidão, apenas. Depois ali mesmo adormeceu para o sempre, deixando em cima da
mesinha um singelo escrito:
O jardim e as flores já não existem mais
colibris e borboletas voaram para bem longe
talvez em busca de outros doces perfumes
e em mim a solidão que aflora em outono
triste
uma estação que a tudo seca e tudo devora
e que agora me chama para também voar
e voando parto nas asas da solidão a esvoaçar.
E assim também noutras vidas, cuja solidão natalina
é como um desfolhado outono. E só chega a ventania. E ninguém mais.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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