SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

MENINA NAMORADEIRA


*Rangel Alves da Costa


Eis aqui o proseado da menina namoradeira, brinquedo sem ser brincadeira, cantada em cordel pela feira. De todas foi a melhor, de todas foi a primeira.
Dizem que nasceu uma flor, menina com gosto e sabor, de beleza sem igual, admirada com louvor. No corpo queimando ardor, em tudo maior esplendor.
Desde novinha a danada seguiu sua própria estrada, não queria a boneca preferindo ser falada, de namoradeira chamada, tão nova e desavergonhada.
Mas era bonita demais, tudo que ao olhar satisfaz. Não tinha moço ou rapaz que dela não fosse atrás, procurando um sorriso e desejando muito mais.
Botava flor no cabelo, no vestir o maior zelo, e esse seu jeito de ser causava o maior desmantelo. Arrepiava a pedra, fogo surgia do gelo.
No corpo espalhava loção, um cheiro doce de paixão. Caminhava pela rua perfumando coração, no vento causando emoção e na moçada aflição.
Vestia roupa de chita e ficava mais bonita, descalça saía a andar, numa mania esquisita. Mas espinho não furava o pé da doce e meiga cabrita.
Tinha um rebolado atraente, avivando em toda gente uma sensação que sente quando o fogo é ardente. Não tinha um cristão sequer que não a achasse envolvente.
Menina tão delicada, suave e perfumada, apenas de um deveria ser namorada. Mas nada disso que nada, pois queria muito mais e com isso ser invejada.
Mas se dizia de respeito, só namorava direito. Preservava o seu nome, dizia ter um conceito, mas a rapaziada sabia que bastava dar um jeito.
Namorava um de cada vez, porém uns cinco por mês. Dizia ter lucidez, agindo com polidez, sem ninguém ver sua nudez.
Não se importava se chamada de mocinha descarada, ou mesmo de quenga safada, não tendo a injúria por nada. Gostava de namorar e seguia sua estrada.
Recebia presente de moço inocente, versos de amor de donzelo carente, frasco de perfume de um bocado de gente. Mas só escolhia um bem diferente, sem qualquer doação, sem nada aparente.
Namorou com quebrado e endinheirado, com gente de anel e com pé-rapado, com menino astucioso e com despreparado, até com quem parecia ser afeminado.
O seu beijo era famoso, por isso falavam num gosto gostoso, num lamber caridoso, num morder mais tão saboroso. Um lábio delicioso e o resto calor fogoso.
Marcava com um na janela, outro depois da cancela. Namorava no quintal e no fundo do hospital. Marcava encontro no mato e nas águas do regato. Sumia na mataria e descabelada aparecia.
Namorava até demais, mas nenhum homem era capaz de alcançar muito mais. Quando ia pra frente, ela ia pra trás. Até ficava nua, mas deitar jamais. Era isso que não deixava nenhum moço em paz.
Dizia que o namoro era pra divertimento, e se pegasse barriga começava o tormento, pois um dia ainda queria o mais belo casamento. Casar de véu e grinalda, na igreja fazer juramento.
Um dia aconteceu o inesperado. Ela avistou um rapaz e o quis por namorado. Ao invés de ir atrás, ele a olhou enviesado. Ela insistiu em querer, mas ele distanciado.
E de repente ela se sentiu diferente, com o corpo todo quente, no peito paixão ardente. Agora era ela que era terra sem semente, uma moça apaixonada e por alguém tão reticente.
Prometeu com mais ninguém namorar e fazer de tudo para ele lhe aceitar. Faria o que quisesse para provar tanto amar, seria sua mulher, se deixaria aproveitar, mas naquele sofrimento não poderia ficar.
Mas ele disse não. A fama dela não tinha correção. Somente limpando a honra com cem anos de solidão. E ela viveu sozinha amargando a aflição, até morrer bem velhinha com uma flor murcha à mão.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com 

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