*Rangel Alves da Costa
A situação da falta de combustíveis já está
sendo normalizada. Mesmo que ainda continuem resquícios da greve dos
caminheiros, o que estava impedindo o abastecimento dos postos e bombas, ainda
são muitas as filas de carros e motos em busca de qualquer litro para espantar
a preguiça de andar a pé.
Eita povinho que tudo faz para se afastar de
qualquer tipo de esforço físico, como se o carro na garagem fosse o fim do
mundo e uma boa caminhada fosse o fim do mundo em purgatório. Nascido com pés
no chão, de repente se imaginou guiado por rodas e pneus e agora não há quem
faça que torne a vida mais prazerosa e saudável botando o pé na estrada.
Muita gente bateu pé, enraiveceu, embruteceu
e até chorou, mas não pelo angustiante momento brasileiro de desgoverno e de
preços exorbitantes, e sim pelo simples fato de não querer – de jeito nenhum –
abrir a porta e colocar os pés ao chão para ir ao trabalho ou a qualquer outro
lugar. Diziam até que não sabiam mais caminhar.
Como um mundo em seu retrato final onde só
restam os escombros, assim também o fim do mundo para quem não vive sem carro e
faz do posto de gasolina seu destino favorito, ainda que a cada novo dia
reclamando do verdadeiro assalto “à bomba armada”. Foi uma gente assim que
partiu cheio de felicidade em direção à fila formada no posto e para pagar
muito além do já exorbitante valor.
Na verdade, ainda não há combustível
suficiente para abastecimento nos postos. Quando chega um carregamento, então
logo filas imensas se formam para abastecer em pequena quantidade. E nas filas,
além dos veículos, gente com vasilhame, com litro, com balde e até mochila
plástica. E, como dito, para pagar um preço sempre além daquele que já está
cotidianamente caro.
Os noticiários televisivos e as fotografias
dos jornais não mostram outra coisa. Houve outra face, contudo, não noticiada
como deveria. O problema surgido, aliado às espertezas dos brasileiros e os
maus instintos de muitos, acabaram provocando situações mais que inusitadas. De
repente, bastou que as bombas zerassem para que muita gente colocasse em
prática seus atilamentos e até suas propensões ao ilícito.
Como num filme onde a falta de água faz com
que a população trate o precioso líquido como bem mais valioso, travando
guerras e promovendo ataques, por aqui a falta de combustível nos postos não só
colocou o mundo de cabeça pra baixo como fez surgir estranhíssimas ilicitudes. Até
que costumeiras, mas não tão corriqueiras como foram observadas durante o
“apagão gasolíneo”.
Houve um despertar sem fim de espertezas,
jogos de cintura, jeitinhos e atitudes desbragadamente criminosas. Fala-se em
tráfico de gasolina e óleo diesel. Fala-se em sequestro de galões de gasolina e
óleo diesel, de pessoas e até de caminhões transportando combustíveis.
E muito mais. Fala-se em pagamento de até mil
reais por um galão de vinte litros. Fala-se em roubo e furto de gasolina, em
mistura de gasolina com cachaça e álcool etílico, em utilização até de urina na
tentativa de fazer funcionar o possante. Fala-se em laboratórios clandestinos
trabalhando a todo vapor para produzir combustíveis. E a certeza de
enriquecimento no dia seguinte ao anúncio do invento.
Coisas mais que surpreendentes, pois se
cogitou na invasão de países vizinhos e tomar seus postos de combustíveis à
força. Dizem até que muito rico providenciou grandes e longas tubulações vindas
diretamente das refinarias dos países vizinhos. E fato mais que estranho: poços
abertos pelos quintais na tresloucada tentativa de encontrar petróleo.
Fala-se em gente saindo às ruas com relógio
de ouro e gritando que trocava por cinco litros de gasolina. Pelas calçadas,
não raro o avistamento de móveis e geladeiras, eletrônicos e importados, e tudo
com inscrição bem visível: tudo por vinte litros de gasolina. Uma boiada em
troca de uma lata de gasolina deu o tom do desespero.
Fala-se até em assalto à mão armada aos donos
de veículos que ainda ousavam trafegar. O cara ia, colocava a arma perante o
condutor e dizia que “ou a gasolina ou a vida”. Ou ainda: “É um assalto mano,
passe aí todo o gás que tiver nesse carango”. “Desce, desce, mas não quero o
carro não, só o tanque!”.
Sem invencionice, muitas queixas foram
prestadas dando conta do cometimento de crimes relacionados ao roubo e furto de
combustíveis. Relata um desses boletins que um senhor esqueceu no carro a
carteira com notas graúdas de dinheiro, notebook e celular, mas deixaram tudo e
levaram somente a gasolina. E com um bilhete: “Foi minha salvação!”.
Já outra relatou que foi sequestrada e o resgate
nada mais era que dez litros de gasolina. Passou dois dias em poder dos
sequestradores por que sua família não conseguia juntar o combustível. Na zona
sul tomaram de assalto um carro novinho importado. Mais adiante foi encontrado
com o tanque vazio. Não queriam o carro, apenas a gasolina. De outro carro
levaram até o tanque inteiro.
Luzita Boca de Veludo, dona de um cabaré,
teve uma ideia genial. Como a clientela estava sumida, então ela colocou abaixo
da luz vermelha uma faixa: Venha trocar o óleo que a gasolina é garantida!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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