*Rangel Alves da Costa
Somos apenas o vento que sopra até sumir nas
distâncias. Somos apenas a velha canção que depois de cantada vai sendo
esquecida. Somos apenas o rio que segue, o leito que espelha, o percurso que
vai, até simplesmente passar. Somos apenas a semente lançada, o grão brotado, a
colheita gestada, para depois fenecer no tempo. Somos apenas as estações que
seguem e se sucedem, até que um dia apenas o outono triste e de folhas mortas.
Somos apenas a aurora do dia, o clarão do dia, o entardecer do dia, a noite do
dia, até que o calendário apague a passagem. Somos apenas o sorriso da
infância, a sisudez do adulto e a melancolia da velhice, até nada mais nos
restar para ser. Somos apenas o Eclesiastes, onde tudo passa e tudo se mostra
na face, na alegria e na tristeza, no nascer e no morrer. Somos apenas os pés
da bailarina em seu voo e em seu repouso no palco sem asas. Somos apenas o
palhaço na sua alegria e o palhaço na sua realidade, sem disfarces e sem fazer
sorrir. Somos apenas a janela aberta, ensolarada, no vai e vem da ventania, e
na solidão interior de tantos segredos e mistérios. Somos apenas o canto do
passarinho e seu ninho sozinho, de gravetos e silêncios e de tristezas sem fim.
Pois disse o poeta:
Tão belo o horizonte
tão bela a paisagem
ante o olhar do pintor
e sua pátula colorida
para criar o belo mundo
e depois apenas chorar
por não poder ter asas
por não poder voar
e ser veloz passarinho
entre as montanhas azuis
de sua própria criação.
Por que somos apenas o orvalho matinal e a
secura da folha no instante seguinte. Somos apenas a miragem no deserto e a
boca sedenta de grão de esperança. Somos apenas a folha em branco nas mãos
sonhadoras, mas quando desenhada já tarde demais para a nuvem bela e o pássaro
em voo. Somos apenas uma casa triste de beiral de estrada e suas vidas
escondidas para o mundo e para o viver. Somos apenas o ferro que enferruja e o
mar que mareja, somos apenas a pedra que se torna em pó e a tempestade que
cessa e seca toda a correnteza. Somos apenas a festa e a bebida, a canção e a
valsa, as luzes e as ribaltas, e o silencioso amanhecer sem estrelas. Somos
apenas a boca faminta e o lábio voraz perante outra boca faminta e outro lábio
voraz, que se aproximam e se beijam e se mordem, e não existem mais. Somos
apenas a poesia que cansou de enternecer e o verso sem rima e entristecido.
Somos apenas um calendário, no dia a pós dia, e um relógio que apenas chama ao
desconhecido. Somos apenas a noite escura em rua triste, a chuva caindo,
molhando os olhos e derramando saudades. Somos apenas o céu estrelado em
noturno nublado. Pois disse o poeta:
Os guerreiros e os heróis
celebraram em vinho as vitórias
os heróis e os guerreiros
ergueram em festa o mastro da luta
mas os guerreiros e os heróis
preocupados apenas em comemorar
esqueceram-se de curar suas feridas
as chagas abertas em nome da morte
e depois perderam suas próprias lutas
e depois morreram sem qualquer vitória.
Por que somos apenas a quimera e a ilusão.
Somos apenas o instante sem o amanhã. Somos apenas o contentamento e fingir
viver para não viver. Por que somos apenas frágeis humanos. Por que somos os
humanos que nos dizimamos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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