*Rangel Alves da Costa
As lições podem chegar nas coisas simples que
acontecem. A sabedoria também vem de um inesperado livro chamado pequenas
coisas. Nas pequenas coisas os grandes ensinamentos, os grandes aprendizados.
Nada existe sem que do seu olhar ou do seu
convívio não se alcance algum retorno. Tudo é lição. Os escritos estão vento
que sopra, no eco da noite, na lua brilhando, no grilo cantando, na chuva que
cai. O que representa uma simples janela anuviada pela chuva que cai do outro
lado?
Os sentimentos são despertados assim. O olhar
que mira as águas se derramando pelo asfalto, a atenção despertada pelo cantar
do pássaro, o silêncio endurecido da pedra, tudo provoca experiências
sentimentais indescritíveis. Basta que o olhar aviste e tudo desague pelos
caminhos do coração.
Singela vida de tanta singeleza e pouca
atenção às pequenas coisas. Um travesseiro que tão bem acolhe e sequer ouve uma
palavra afetuosa. Quem dera fosse diferente. A roupa velha que não quer ser
desprezada e simplesmente a deixamos de lado sem qualquer adeus. A roupa velha
também sofre e chora.
Sua xícara de louça cai e você pranteia
aquela perda. Você gostava dela, estava acostumada com ela. Contudo, pouca
atenção é dada até que de repente se perca. Zezé, aquele menino que tanto amava
seu pé de laranja lima, sempre fazia diferente. Zezé conversava, afagava,
acarinhava seu pé de laranja.
E muita gente sente a perda sem ter amado o
suficiente. Sofre apenas pelo ato de perder e não pela ausência. Zezé sofreu e
chorou por que tinha aquele pé de laranja como seu verdadeiro amigo e
confidente. E por que não amar também as coisas simples da vida? Por que não
devotar mais atenção àquilo que tanto faz bem?
Há uma borboleta que toda manhã entra pela
janela. Além disso, se aproxima o máximo que pode e até pousa sobre o ombro, a
mão, o cabelo. Uma plantinha no beiral da janela parece sorrir com a
aproximação. E sorri mesmo. E de repente um sussurro parecendo que as folhagens
querem conversar. Coisas mais que significativas.
Toda vez
que você procura uma roupa pra vestir e a encontra arrumadinha, cheirosinha,
passadinha, ao vesti-la você se sente muito bem, não é mesmo? Toda vez que você
que você abre a porta dos fundos e encontra debaixo da chuva e todo encharcado
um chinelo que você tanto gosta, então você entristece, não é mesmo?
Toda vez
que você abre um livro e entre as páginas você encontra uma folha seca deixada
desde muito ali, logo sua memória tenta reviver o instante que a deixou ali,
não é mesmo? Sim. É mesmo. Nenhuma roupa gosta de ser guardada de qualquer
jeito, amassada, simplesmente jogada num canto.
Aquilo que
a gente gosta, seja um chinelo ou um bichinho de estimação, causa-nos
entristecimento só em deixar ao relento, abandonado, debaixo da chuva. É que
tudo, mesmo o inanimado, espera nossa proteção. Aquela folha no livro só foi
deixada ali porque a leitura pediu. Nada seria marcado se não provocasse um
interesse maior.
E então, o
que diz de tudo isso? Não sei você, mas eu creio que devemos cultivar o amor, o
gostar, o querer, a tudo. Uma roupa que vestimos, um chinelo que usamos, uma
folha seca que nos servimos para marcar algo que nos encanta. No seu íntimo,
ainda que jamais compreendamos tal possibilidade, as coisas e os objetos também
nos reconhecem e nos amam.
E com o
ser humano? O mesmo amor, a mesma guarda, a mesma proteção. E com quem
dividimos nossos sonhos, beijos e abraços? O respeito como base tudo. Quando
nos sentimos respeitados devotamos não só o amor como a própria vida. Simples
assim.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário