SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 29 de junho de 2018

“QUANDO O VERDE DOS TEUS ZÓIO SE ESPAIÁ NA PRANTAÇÃO...”



*Rangel Alves da Costa


Luiz Gonzaga é bom demais de ouvir de qualquer jeito e a todo instante. Basta ecoar a sanfona do rei do baião e surgir aquele vozeirão primoroso, forte, ritmado, e então tudo se torna numa festa só. Não obstante a junção da sanfona e da voz, formando a mais plangente e autêntica musicalidade nordestina, ainda há em Luiz Gonzaga a plenitude da poesia.
Seja de sua autoria, coautoria ou de outros compositores, principalmente Humberto Teixeira, Zé Dantas, Onildo Almeida, Zé Marcolino, João Silva, Nélson Valença, João e Janduhy Finizola, dentre outros, na música de Luiz Gonzaga há uma poesia que vai muito além da cantoria tipicamente nordestina, ainda que esta também seja marcada pela beleza dos versos. Com o Rei do Baião, contudo, os versos são construídos como se para serem lidos e não cantados. Como consequência, muitas canções se assemelham a recitais melodiosos.
No Velho e Eterno Lua a canção não é somente para ouvir, mas, e acima de tudo, para viajar nos seus versos, nas suas estrofes tomadas de um sentimentalismo lírico tamanho que faz o bardo ajoelhar-se em comoção. Sim, a partir de coisas simples, tudo nascido para falar sobre a terra, sobre o homem, sobre os amores sertanejos e as lidas e sofrimentos do dia a dia. Após esse mote, após a primeira leva de inspiração, então uma asa branca começa a voar além das alturas, um forró de pé-de-serra se transforma em belo canto de saudade, um olhar para o céu numa noite junina logo se torna em celebração do amor. E o jiló?
Quanta beleza nos versos de “Qui nem jiló”: “Se a gente lembra só por lembrar, o amor que a gente um dia perdeu, saudade inté que assim é bom pro cabra se convencer que é feliz sem saber, pois não sofreu. Porém se a gente vive a sonhar com alguém que se deseja rever, saudade, entonce aí é ruim, eu tiro isso por mim que vivo doido a sofrer. Ai quem me dera voltar pros braços do meu xodó saudade assim faz roer e amarga qui nem jiló...”. Esta canção de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira possui alguns dos versos mais bonitos do cancioneiro brasileiro. Disso não se pode duvidar ante a estrofe dizendo que “Se a gente lembra só por lembrar, o amor que a gente um dia perdeu, saudade inté que assim é bom pro cabra se convencer que é feliz sem saber, pois não sofreu...”.
Contudo, nada igual a uns poucos versos contidos numa estrofe da obra-prima que é Asa Branca: “Quando o verde dos teus zóio se espaiá na prantação...”. Mas antes de comentar, vejam mais isto, observem que maravilha e digam se é verdadeira poesia ou não? “Até mesmo a asa branca bateu asas do sertão, entonce eu disse adeus Rosinha, guarda contigo meu coração. E hoje longe muitas léguas, numa triste solidão, espero a chuva cair de novo pra eu vortá pro meu sertão. Quando o verde dos teus zóio se espaiá na prantação eu te asseguro não chore não viu, que eu vortarei viu, meu coração...”.
Irretocável é a letra de Asa Branca, porém, como dito, apenas em poucas palavras e a composição já se irradia de encantamento. Uma simples frase, mas tudo, inegavelmente tudo: “Quando o verde dos teus zóio se espaiá na prantação...”. Este quando o verde dos teus zóio se espaiá na prantação contém tamanha significação e simbologia que em nenhum outro momento musical brasileiro conseguiu alcançar. A ele somente comparado, a meu ver, aos versos contidos em Cafezal em Flor (composição de Luiz Carlos Paraná e sucesso na voz de Cascatinha e Inhana): “Era florada, lindo véu de branca renda se estendeu sobre a fazenda, igual a um manto nupcial, e de mãos dadas fomos juntos pela estrada toda branca e perfumada, pela flor do cafezal... Passa-se a noite vem o sol ardente bruto, morre a flor e nasce o fruto no lugar de cada flor. Passa-se o tempo em que a vida é todo encanto, morre o amor e nasce o pranto, fruto amargo de uma dor...”.
Citei mais versos de a Flor do Cafezal, é verdade. Contudo, não significa que apenas a frase citada de Asa Branca não seja ainda de maior profundidade. E assim por que este “Quando o verde dos teus zóio se espaiá na prantação...”, quer dizer quando a terra voltar a brotar, quer significar quando os pendões do milharal chamarem o retorno do amor distante, quer dizer que quando a esperança renascer dias melhores surgirão aos amores distantes, quer significar que da terra brotando e florescendo também o amor sendo fortalecido nos corações.
Se eu disser, pois, que quando o verde dos teus olhos se espalhar na plantação, eu também estarei dizendo que quando os campos novamente florirem eu voltarei. Eu voltarei viu, meu coração.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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