*Rangel Alves da Costa
Gosto de caminhar pelos sertões, gosto de
percorrer as veredas e estradas dos sertões. À frente à estrada, de chão,
piçarrenta ou asfaltada, mas pelos lados, curvas e escondidos, os mistérios e encantamentos
que tanto desafios nos trazem à imaginação. Tudo como se o mundo sertão, mesmo
tão conhecido, esteja sempre provocando indagações sobre o seu modo de ser e de
existir.
Pelos seus caminhos não é difícil avistar
casinholas, casebres de barro e cipó e mesmo residências mais portentosas, mas
sempre com aquele aspecto sertanejo tão peculiar às suas vastidões ressequidas:
casas que sempre parecem tristes, solitárias, fechadas pelas ausências,
esquecidas num mundo de esquecimentos e desolações. Nem sempre assim, mas
geralmente encontros que mais parecem em meio ao deserto e ao abandonado.
Verdade que os sertanejos costumam manter
suas portas fechadas em todos os instantes do dia. Somente ao entardecer,
quando uma cadeira é colocada diante da porta ou quando o dono da casa se
assenta num tamborete para ouvir seu radinho de pilha é que surgem sinais de
vida, de presença daqueles moradores. Ao invés da porta da frente, é a porta
dos fundos, que dá para o quintal ou cercados, que é utilizada como entrada e
saída. Quanto muito, apenas um bicho de cria arreliando de canta a outro.
Pelos sertões o que se encontra, assim, são
casas tristes, de feições abandonadas, de portas fechadas, de malhadas
solitárias, num quase sem vida. Mesmo que lá dentro estejam muitas pessoas,
mesmo que lá dentro a vida esteja correndo apressada, é como se nada assim
existisse perante aquele que passa adiante e lança o seu olhar naquela direção.
E não há quem não se aflija com aquela moldura tão aflitiva e melancólica.
Imagina-se sempre estar apenas diante de um abandono, de vidas partidas, de
vidas dali já distanciadas pelas intempéries da existência em mundo tão difícil
de ser suportado perante as estiagens.
Sempre entristeço ante o silêncio melancólico
das casas tristes nos beirais das estradas. Portas e janelas fechadas, sem
cheiro de café torrado ou de tripa de porco torrando no fogão de lenha. Procuro
pelo menino Zezim, procuro pela menina Joaninha. Mas nada. Nem um cachorro
magro nem a voz de um papagaio falador. Murchou a bela flor que outrora era
avistada no umbral da janela. Esturricou a planta que antes descia pelo
caqueiro pendendo no pé de pau.
Tenho vontade de ir até lá e bater à porta.
Oi de casa, oi de casa! Tenho vontade de ir até lá e bater na madeira como
alguém que chaga para trazer uma notícia boa sobre um mundo novo. Ou apenas
dizer: Oi de casa, oi de casa! Chamar assim. Mas desisto, enfim. E sigo pelos
meus sertões em busca de portas abertas e daquilo que me dê alegria. Zezim,
onde tá você? Joaninha, onde tá você? É o que pergunto em meu pensamento. E
entristeço e choro. E silencioso pranteio a dor de todas as ausências do mundo!
Sigo adiante e aquele mundo solitário e
triste para se eternizar logo atrás. Mas não posso esquecer aquela moldura
ainda fixa no meu olhar. Zezim deveria estar ali na malhada, debaixo do
umbuzeiro, reinando com ponta de vaca, correndo atrás de calango, atirando com
peteca baleadeira. Zezim, Zezim, seu mundo está ali e por que você não estava?
Joaninha também deveria estar pelos arredores da casa, levando consigo a boneca
de pano descabelada e desenho círculos no chão aberto para brincar de pular.
Joaninha, Joaninha, seu mundo está ali e por que você não estava?
Faltou-me sentir aquele aroma forte,
encorpado, cheiroso, oloroso, do café fervendo em riba do fogão de lenha. Que
festa ao olfato este perfume tão sertanejo, nascido desde o pilão para bater o
café, à arupemba para separar o pó do restante dos grãos, e depois todo o
negrume misturado à água fervente para a festa maior do sabor e da vida. Não
senti tal cheiro ali e senti muita falta. Também não ouvi os barulhos do ofício
na cozinha, com panela batendo, talher caindo, criança chorosa querendo comida.
A mulher não abriu a porta para aguar a planta. Não havia planta, não havia
nada. O homem não abriu a janela para avistar possíveis nuvens de chuva ao
horizonte. Não há chuva num sertão assim.
Entristeci e chorei pela moldura de angústia
e desilusão. Não pelo sertão em si, com seu sorriso triste e seu corpo
esquelético, mas pelo seu povo que sequer parece existir naqueles casebres
tristes de beirais de estrada. Talvez algum dia eu retorne e encontre tudo
diferente. Talvez eu encontre a porta e a janela abertas, Zezim e Joaninha nos
seus afazeres de criança e a sertaneja jogando água por riba da planta sedenta.
O sertanejo certamente estará por ali, mexendo numa coisa e noutra, afiando uma
enxada, dando lustre ao facão, remendando seu aió de caçador.
Talvez eu retorne e encontre a vida na sua
vida, o homem sertanejo no seu lugar. Mas por enquanto, ainda choroso, ainda
triste. Sou sertanejo também.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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