*Rangel Alves da Costa
Coronel Tibúrcio se fez desafeto do Coronel
Mirinaldo. Nos sertões nordestinos sempre acontecia assim: as vinditas de
sangue tinham início com as intrigas entre as portentosas famílias e se
tornavam em verdadeiros rios de sangue.
Quando os jagunços tocaiaram e mataram o
Coronel Mirinaldo, então o Coronel Tibúrcio foi acusado de ser o mandante. Mas
não sendo o real mandante, sempre há uma acusação familiar que serve como mote
às sangrias sem fim.
Mas a guerra começou mesmo quando o Coronel
Tibúrcio foi cravejado de bala enquanto cochilava na varanda de seu casarão. Mesmo
ladeado de seguranças, de jagunços e matadores, a guerra sempre alcança uma
brecha para matar.
Bastou o Coronel Tibúrcio ser morto e logo um
filho do Coronel Mirinaldo foi emboscado e varado de balas. E não demorou muito
para um sobrinho do mesmo falecido coronel ser baleado num dia de feira.
Em seguida, apenas um dia após, dois
familiares do Coronel Tibúrcio foram mortos em sequência. Era uma desvalia de
vida danada. Um viver que não valia absolutamente nada diante dos ódios
vingativos de parte a parte. Matar apenas como brincadeira.
Daí em diante, de lado a lado as mortes
passaram a ser rotina naquela povoação. Logo esta foi dividida como num campo
de guerra e quem era da família ou mesmo parente dos coronéis não podiam, sob
hipótese alguma, passar para o outro lado de determinada área da cidade.
Ainda assim as mortes não cessaram. E não
cessaram por que as estradas, os quintais, até mesmo outras localidades, eram
buscadas para os intentos desenfreados da maldade. Sendo da família ou parente,
mesmo que distante, ninguém estava seguro em lugar algum.
Por fim, quando já não havia mais parente
nenhum pra morrer, as duas matriarcas marcaram um duelo ao pôr do sol
sertanejo. Ninguém jamais poderia imaginar que isso pudesse acontecer, que
aquela terrível guerra entre famílias pudesse chegar à culminância de envolver
até duas velhas matriarcas.
De um lado, Dona Tribúzia, viúva do Coronel
Mirinaldo e matriarca da família, e do outro Dona Cassuça, viúva do Coronel
Tibúrcio e igualmente matriarca familiar. Então elas seguiram, armadas até os
dentes, rumo à lavagem da honra familiar, ou do que dela restava.
A cidade toda acorreu ao local do duelo, mas
se postando aos escondidos, bem ao longe. A refrega foi marcada bem defronte a
igreja matriz. Pensou-se noutro local, mas a importância era tamanha que logo
se atinou ser o sino da igreja o ordenador do início da refrega.
O Vigário Querêncio, assim que soube do
confronto, bandeou-se pelo meio do mundo que ninguém nunca mais soube de seu
paradeiro. Dizem que corria tanto que os pés batiam na bunda. Tanto corria como
gritava que Deus lançasse fogo e enxofre naquele mundo de perversos e desalmados.
Mas o duelo aconteceu. Cinco metros separando
as duas viúvas. Assim que o sino tocou anunciando o início, nenhum tiro foi
ouvido, mas a desavença foi resolvida ali mesmo. Dizem que na hora “h” deu uma
caganeira tão grande nas duas que ninguém podia dizer se uma corria mais que a
outra.
O povo gritava “atira, atira”. Mas atirar
como, se o que se buscava salvar naquela hora era a própria vida ameaçada pelo
desarranjo? A caganeira foi tão forte que a corrida desesperada das duas foi
deixando um rastro deplorável e fedido pelas ruas.
Dizem até que ouviram alguns tiros, ou algo
semelhante. Mas certamente não saídos da boca dos rifles. E a guerra, quem
diria, acabou na privada. Aliás, de onde jamais deveria ter saído.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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