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sábado, 30 de junho de 2018

A GUERRA NORDESTINA QUE ACABOU NA PRIVADA



*Rangel Alves da Costa


Coronel Tibúrcio se fez desafeto do Coronel Mirinaldo. Nos sertões nordestinos sempre acontecia assim: as vinditas de sangue tinham início com as intrigas entre as portentosas famílias e se tornavam em verdadeiros rios de sangue.
Quando os jagunços tocaiaram e mataram o Coronel Mirinaldo, então o Coronel Tibúrcio foi acusado de ser o mandante. Mas não sendo o real mandante, sempre há uma acusação familiar que serve como mote às sangrias sem fim.
Mas a guerra começou mesmo quando o Coronel Tibúrcio foi cravejado de bala enquanto cochilava na varanda de seu casarão. Mesmo ladeado de seguranças, de jagunços e matadores, a guerra sempre alcança uma brecha para matar.
Bastou o Coronel Tibúrcio ser morto e logo um filho do Coronel Mirinaldo foi emboscado e varado de balas. E não demorou muito para um sobrinho do mesmo falecido coronel ser baleado num dia de feira.
Em seguida, apenas um dia após, dois familiares do Coronel Tibúrcio foram mortos em sequência. Era uma desvalia de vida danada. Um viver que não valia absolutamente nada diante dos ódios vingativos de parte a parte. Matar apenas como brincadeira.
Daí em diante, de lado a lado as mortes passaram a ser rotina naquela povoação. Logo esta foi dividida como num campo de guerra e quem era da família ou mesmo parente dos coronéis não podiam, sob hipótese alguma, passar para o outro lado de determinada área da cidade.
Ainda assim as mortes não cessaram. E não cessaram por que as estradas, os quintais, até mesmo outras localidades, eram buscadas para os intentos desenfreados da maldade. Sendo da família ou parente, mesmo que distante, ninguém estava seguro em lugar algum.
Por fim, quando já não havia mais parente nenhum pra morrer, as duas matriarcas marcaram um duelo ao pôr do sol sertanejo. Ninguém jamais poderia imaginar que isso pudesse acontecer, que aquela terrível guerra entre famílias pudesse chegar à culminância de envolver até duas velhas matriarcas.
De um lado, Dona Tribúzia, viúva do Coronel Mirinaldo e matriarca da família, e do outro Dona Cassuça, viúva do Coronel Tibúrcio e igualmente matriarca familiar. Então elas seguiram, armadas até os dentes, rumo à lavagem da honra familiar, ou do que dela restava.
A cidade toda acorreu ao local do duelo, mas se postando aos escondidos, bem ao longe. A refrega foi marcada bem defronte a igreja matriz. Pensou-se noutro local, mas a importância era tamanha que logo se atinou ser o sino da igreja o ordenador do início da refrega.
O Vigário Querêncio, assim que soube do confronto, bandeou-se pelo meio do mundo que ninguém nunca mais soube de seu paradeiro. Dizem que corria tanto que os pés batiam na bunda. Tanto corria como gritava que Deus lançasse fogo e enxofre naquele mundo de perversos e desalmados.
Mas o duelo aconteceu. Cinco metros separando as duas viúvas. Assim que o sino tocou anunciando o início, nenhum tiro foi ouvido, mas a desavença foi resolvida ali mesmo. Dizem que na hora “h” deu uma caganeira tão grande nas duas que ninguém podia dizer se uma corria mais que a outra.
O povo gritava “atira, atira”. Mas atirar como, se o que se buscava salvar naquela hora era a própria vida ameaçada pelo desarranjo? A caganeira foi tão forte que a corrida desesperada das duas foi deixando um rastro deplorável e fedido pelas ruas.
Dizem até que ouviram alguns tiros, ou algo semelhante. Mas certamente não saídos da boca dos rifles. E a guerra, quem diria, acabou na privada. Aliás, de onde jamais deveria ter saído.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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