Rangel Alves da Costa*
A aurora, substantivo feminino e tão poético,
é também conhecida por muitos nomes, muitas outras designações. Eis que aurora
é a primeira luz da manhã, é amanhecer, alvorecer e alva celeste. Aurora é
também o nome da deusa mitológica do amanhecer.
Aurora é claridade que precede o nascer do
sol, vem antes da própria manhã. O homem desperta, abre a janela e abraça a
aurora como se fosse a vida. Instante em que as folhagens enxugam os olhos do
orvalho, as pétalas das flores se movem esperando a primeira luz, a natureza
vai despertando exuberante e encantadoramente bela.
E ainda quantos nomes bonitos para a aurora,
assim como alvor, alvorada, dilúculo, antemanhã, advento, primeiro sorriso,
primeira palavra, primeiro gesto. Hora em que o homem ainda se despede dos
sonhos e a vida já começa a luzir lá fora.
Dizem que o galo desperta na aurora e canta
para chamar a manhã. Mas o que o homem ouve não é o canto do galo, mas a
cantiga da madrugada olhando para a noite amada e a ela dizendo que voltará
para novo encontro na escuridão.
Com a aurora se tem os primeiros anos de
vida, a infância, a criancice. Assim, no homem, aurora é o princípio de tudo.
Neste sentido escreveu o poeta Casimiro de Abreu: Oh que saudades que tenho da
aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais...
Por aurora se tem a primeira claridade de uma
visão, o começo, a origem, a parte primeira de qualquer coisa. As cores na
paleta do artista que sobe o monte ainda na escuridão para pincelar os primeiros
movimentos do dia. Também é aurora o primeiro pensamento buscando a mulher
amada.
Na Bíblia, a aurora do mundo, do homem e dos
seres está na Criação, no Gênesis. Eis que no início de tudo, na aurora da
existência, Deus criou os elementos e deu o sopro da vida para que seguissem os
seus destinos.
Aurora que é irmã do Sol e da Lua, e de tão
bela jamais envelhece. Adormece quando irrompe a manhã, mas não sem antes
alimentar os seus quatros filhos, que são os ventos norte, sul, leste e oeste.
Ao se despedir com seu tênue fulgor, deixa no rastro uma luz maior, que é
abraçada pela manhã e que dá cor à paisagem quando a janela do dia é aberta.
Mas aurora também é instante de nascimento da
luta, do despertar para o labor do dia. O homem acorda antes do amanhecer
porque a manhã já é seu suor. Levanta no bronzeado da hora e vai encontrando
outras cores pelo caminho.
Sertanejo que se preza levanta ainda na
madrugada. Na luz do candeeiro faz a benção primeira, procura apetrecho, ajeita
o gibão, vai alimentando o embornal e coloca num canto a ferramenta de luta.
Abre a porta ao alvorecer, olha pra barra todo esperançoso de chuva, depois
acende o fogão e esquenta o café.
Ou mesmo vai se preparando para tirar o leite
da vaquinha no curral. Ajeita o balde, estica a corda, se assegura de tudo. O
leite sai quentinho do peito da vaca, esguichado no prato com farinha seca. E
esse primeiro alimento do dia é o de mais sustança que possa existir naqueles
sertões. E quando a manhã ainda nem despontou o leite já está sendo derramado
por cima do cuscuz de milho ralado.
Na aurora a prostituta se despede da vida. Ou
daquele momento da vida. Ainda pintada, cheirando a bebida e sexo, com olhos
pintados e pálpebras injetadas, toma a última dose, acende um cigarro e procura
o último cliente. E depois foge da manhã com medo do sol e da nudez de sua
face.
A cidade ainda nem acordou e a aurora já se
faz pronta para ir embora. Poucos são aqueles que acordam para viver a magia
desse momento. Ora, não é noite nem madrugada, não é manhã nem luz do dia.
Apenas uma fronteira onde a escuridão encontra as primeiras cores de um novo
tempo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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