Rangel Alves da Costa*
Conheço muita gente que jamais trocaria uma
comida de feira ou mesmo aquela conhecida como caseira pelo prato mais
requintado preparado pelo chef mais
premiado. E possui boas razões na sua opção pelo normal apetitoso ao servido
muito mais para se ver do que para comer. A começar pelo preço, que em termos
de comida é o exemplo maior da desigualdade social e do poder aquisitivo entre
as pessoas.
Mas há gosto pra tudo e de todo tipo. Tem
gente que prefere se submeter ao luxo dos restaurantes mais chiques, e de lá
certamente sair com fome e uma vontade danada de comer farofa de ovo com
salsicha, a fazer valer sua gulodice e sentar numa mesa ao lado de uma panelada
bem temperada. É a vaidade e o senso de riqueza que impedem aproveitar das
delícias do melhor fogão e fingir que se satisfaz com uma mínima porção de
fatias enfeitadas a preços absurdos.
Verdadeiramente não consigo imaginar que uma
pessoa se dirija a um desses restaurantes estrelados, pagando para entrar, fingir
que come e até para sair, e depois dizer que se alimentou suficientemente bem
para satisfazer sua fome. Como popularmente se diz, cada prato com nome
impronunciável custa o salário de muita gente, cada bebida os olhos da cara.
Ademais, comida não é joia para ser apenas apreciada, mas um verdadeiro diálogo
entre a fome e a substância, de forma democrática e liberta de preciosismos e
etiquetas inibidoras.
Outro dia li na Folha de São Paulo acerca de
restaurantes que cobram até R$ 267,00 por um bife da raça Wagiu (apenas um bife
com purê e salada). A desculpa é que a dita carne é a mais nobre e a mais macia
que existe. Mas estaria cara ainda que temperada com raspas de ouro. Um bom
prato de sarapatel nordestino, saboroso e apimentado, não custa nem R$ 20,00.
Enquanto os chefs oferecem verdadeiros dedais de um preparo com nome esquisito,
tendo por cima uma folha de mato e uma calda em fio de nome igualmente
esdrúxulo, e pela iguaria cobram metade de um salário mínimo, por aqui a pessoa
se esbalda em qualquer mesa caseira sem gastar mais que R$ 30,00. E quando
muito.
E os tais restaurantes luxuosos possuem
clientela garantida e com reserva. O problema não é nem o preço, mas o quase
nada que é oferecido pelo espantoso valor. E a educação da grã-finagem ainda
recomenda que não se deva deixar o prato vazio. Quer dizer, tem de beliscar um
pouco de quase nada e ainda deixar quase tudo no prato. É por essas e outras
que as colunas sociais mostram um povo raquítico, fantasmagórico, numa finura
doentia. E tais feições dificilmente são apresentadas por pessoas tidas como
pobres, eis que se alimentam muito mais ricamente que a roda da burguesia.
Daí que não precisa ser pesquisador ou
estudioso da culinária nacional para concluir que o povo humilde é o que melhor
se alimenta quando pode dispor dos sortimentos para colocar na panela.
Inventivo por natureza e necessidade, qualquer pé de vaca ou de porco se
transforma num prato apetitoso, juntando pedaços de carne faz uma panelada dos
deuses, misturando miúdos e entranhas faz a festa do olhar e da gulodice. É
realmente de lamber os beiços a comida caseira que desponta nos fogões de pedra
ou de lenha, nas panelas de barro ou alumínio, exalando um cheiro tão convidativo
que a boca se enche de água.
A comida de feira nordestina então, esta não
tem igual na culinária brasileira. Nas feiras interioranas ou mesmo nas
capitais, não importa que a barraca seja grande ou pequena, se há muitas mesas
ao redor ou se o fogo solta fumaceiro ou é a gás. Bastando haver asseio, pronto
atendimento e diversidade de sabores, então logo a fome será fragorosamente
derrotada pelos pratos que vão chegando, pelos cheiros que vão subindo no ar,
pela gulodice que quer experimentar tudo de uma só vez.
A feira em si já é um ambiente convidativo,
com inúmeras opções a preços populares. Por todo lado mercadorias e objetos
interessantes, artesanatos bem trabalhados, frutas apetitosas da estação,
legumes e cereais a perder de vista, frascos e mais frascos com porções para
todas as fraquezas do corpo e da mente. Mais adiante o cordel pendurado no
barbante, as vendedoras de flores, os cestos de beiju e de tapioca. De barro o
que se pensar, de couro e cordame o que se imaginar. Mas o melhor vai sendo
localizado pelo cheiro, eis que as panelas ferventes parecem gritar na boca dos
estômagos vazios.
Então basta sentar numa mesa ou num banco de
pé de balcão e fazer a escolha, tarefa que não é fácil diante do sortimento.
Talvez um sarapatel de porco ou de carneiro, uma galinha de capoeira legítima,
um pirão de capão de parida, carne de boi, de bode ou de porco. Famosa é a
panelada misturando boi e porco e o fígado. Contudo, há pratos que dificilmente
são rejeitados quando oferecidos. Assim acontece com a feijoada, a buchada, o
baião de dois com charque desfiado e o churrasco misto, com carne gorda e
desinibida.
Como se diz por aqui, nada melhor do que uma
pinga para prevenir o estômago antes de uma comida mais gordurosa ou com
tempero apimentado. Depois é só pedir a conta a Dona Maria do Botequim. E
juntando tudo, desde a aguardente de entrada até o doce de leite da sobremesa,
sai por preço muito menor que a gorjeta exigida nos restaurantes de luxo. E
agora me deu uma fome danada.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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