Rangel Alves da Costa*
Lamentar o tempo perdido, o que não foi
realizado e as coisas que por descuido, omissão ou relaxamento, não foram
feitas no tempo certo, soam como fatos rotineiros na vida do ser humano. E para
mais tarde viver amargurado ou entristecido porque não aproveitou como deveria
determinadas oportunidades oferecidas pelo percurso que não volta atrás.
Diversas músicas e poemas abordam sobre o
assunto. Não por acaso que as recordações amorosas sempre envolvem situações que
poderiam ser vivenciadas de outra maneira, de modo a não surgir como saudades
tão dolorosas. Igualmente cantar a infância, cujas lembranças vão além da idade
para se situar nos momentos doces da criancice e nas peraltices abençoadas.
Ademais, todo retorno mental ao passado
envolve além do conhecido para alcançar também o não realizado. Eis que é
próprio do ser humano lamentar o que passou e sonhar em retornar para aparar as
muitas arestas de suas culpas. E não apenas isso, pois também sente - como se fosse
possível realizar - uma necessidade imperiosa de reviver os tempos idos para
viver e conviver de forma diferente, agir de outro modo perante diversas
situações, amar mais, compreender mais, buscar os afetos perdidos.
A música Epitáfio (Titãs) diz que “Devia ter
amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer. Devia ter arriscado mais
e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer. Queria ter aceitado as
pessoas como elas são... Devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter
visto o sol se pôr. Devia ter me importado menos com problemas pequenos, ter
morrido de amor. Queria ter aceitado a vida como ela é...”.
Por sua vez, o poema Instantes (Nadine Stair
é a verdadeira autora, e não Jorge Luis Borges) diz que “Se eu pudesse viver
novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria
ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na
verdade bem poucas coisas levaria a serio. Seria menos higiênico. Correria mais
riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas,
nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e
menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários. Eu fui uma
dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida.
Claro que tive momentos de alegria. Mas, se pudesse voltar a viver trataria de
ter só bons momentos. Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de
momentos, não percas o agora. Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem
um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda chuva e um pára-quedas. Se
voltasse a viver viajaria mais leve. Se eu pudesse voltar a viver, começaria a
andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim de outono. Daria
mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres, brincaria mais com as
crianças, se eu tivesse outra vez uma vida pela frente...”.
Situações como as descritas acima são
bastante comuns nas pessoas. É uma tentativa quase que desesperada de retornar
ao passado para fazer aquilo que não foi feito no tempo certo. Com o tempo
passando, a idade avançando, as marcas da caminhada pelo corpo e as
transformações existentes, só resta ao indivíduo querer recuar aos instantes de
paz, de alegrias e felicidades, de afazeres costumeiros que somente agora
surgem como tentadoras recordações.
Contudo, há um aspecto sempre doloroso neste
idílio de retorno ao passado. Ao perder pais, amigos ou pessoas próximas, não é
difícil que a pessoa de repente se sinta culpada de não ter aproveitado mais
aqueles instantes na vida, ao lado daquele que partiu. Olha para o retrato e
intimamente diz que poderia ter abraçado mais, amado mais, convivido mais,
compartilhado mais. E por isso chora pela recordação e pelas oportunidades
perdidas de maiores demonstrações de amor e carinho. Triste que seja assim, mas
inevitavelmente sofremos muito pelos nossos afetos perdidos.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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