Rangel Alves da Costa*
Certa feita um filósofo moderno comparou a
atividade vulcânica com a ação humana. E afirmou, em tom realista, que o homem
abrasado que não se levanta é vulcão adormecido. Não somente isso, pois perde a
oportunidade de expelir suas mágoas, angústias, tédios e fúrias, simplesmente
porque se contenta em deixar-se queimar por dentro até virar cinzas. E porque
não mostra nenhuma atividade, entorpece inativo e chama ao seu cume aquele que
deseja lhe transformar numa simples fenda, num buraco qualquer.
Compreensível que se pense assim, eis que a
analogia não só se fundamenta como pode ser percebida em outros aspectos.
Indubitavelmente que o ser humano é vulcão propenso a vomitar fogo a qualquer
momento, mas também é apenas uma cratera silenciosa e inerte, sem propensão
alguma a expelir labareda ainda que incendiado de cima pra baixo. Contudo, há
sempre esperança que a omissão, a inércia e a passividade se transformem em
braseiros que alimentem a chama da ação e da demonstração de vivacidade e luta.
E tal analogia remete a situações desde muito
vivenciadas pelo povo brasileiro. Por muito tempo nossa gente dos trópicos se
afeiçoou a um velho vulcão inativo ou já esgotado, sem magma para expelir, sem
força para reagir, comportando-se apenas como uma massa inerte no meio do
tempo. Comparando-se ainda ao vulcão, muitos afirmariam se afeiçoar muito mais
ao extinto Kohala, sem possibilidade de repentinamente irromper e
ameaçadoramente fazer jorrar lava de seu cume ou vomitar todas as suas iras.
Mas mesmo com feição de força extinta, o povo
guarda em si caldeiras internas e profundas, crateras e magmas ardentes, vivas
e perigosas, que podem irromper a qualquer instante. Mantendo-se apenas
adormecido, talvez esteja reacendendo suas fagulhas internas para acalorar suas
revoltas e indignações e, de repente, explodir. Daí ser tão perigoso o silêncio
dos vulcões renegados ao esquecimento e do povo forçadamente calado e
submetido. E não se deve esquecer que todas as revoluções surgem da eclosão do
que não suporta mais ser refém das imposições.
Ora, o povo brasileiro sempre foi tido e
havido como passivo, covarde, deixando-se pisotear sem jamais apresentar reação.
Assim como um vulcão sem magma ou fumaça que, por não possuir mais força para
amedrontar, se vê transformado num mero objeto de apreciação. Contudo, como até
o menor verme se revira ao ser pisoteado, talvez a dor e o sofrimento
suportados passivamente por tanto tempo já tenham chegado ao ponto de ebulição.
E da fervura à busca de meios para dizer não ao que tanto aflige e atormenta.
E o que permanecia adormecido pode explodir a
qualquer instante. Mesmo com atraso secular, eis que desde a escravidão o poder
político e dominante supõe a completa inatividade do povo, a fogueira vai sendo
alimentada aos poucos, as chamas vão surgindo quase imperceptíveis e a fornalha
não tardará a despontar no meio das noites dos que eram tidos por subjugados e
condenados. Como sempre ocorre em situações tais, o opressor do povo primeiro
vai desdenhar de sua capacidade de reação; depois vai tentar apagar a fogueira;
e, quando se sentir diante do incontrolável, usar das armas próprias dos que
tentam manter o poder a todo custo.
Ainda igualmente aos vulcões que apresentam
alguns sinais característicos quando estão prestes a explodir, o povo também
apresenta aspectos que demonstram sua propensão a estourar. E alguns fatores
estão sempre presentes quando a passividade e o adormecimento começam a dar
lugar aos tremores e erupções. No primeiro instante, o vulcão pode apresentar
tremores de curta duração, passando aos de maior evidência, ou mesmo numa
mistura de processos, com pequenos abalos ora contínuos ora irregulares. E tais
condicionamentos já podem ser observados nas reações populares.
Verdade é que aos poucos o povo foi
despertando e agora já é visto como ameaça real e constante aos políticos, ao
poder e à dominação nefastamente enraizados. Começou a sentir a força dos
algozes nas suas entranhas, despertou e saiu às ruas. Aquelas primeiras
manifestações populares de junho do ano passado serviram como alerta de que o
vulcão, ao invés do que imaginavam, já começava a estremecer. As manifestações
que se seguiram, mesmo que em menor número e constância, ainda assim
confirmaram que as forças estavam ativas e prontas para derramar lavas de
indignação.
E agora não há mais como duvidar do perigo
que o vulcão popular representa para as pretensões políticas e governamentais.
Os donos do poder estão agora à beira da montanha aterrorizados e implorando
que o pior não aconteça. E o pior para a classe política é sempre perder o controle
da situação e sentir que a revolta popular deixou de ser apenas lavas expelidas
para se transformar em explosões incontroláveis.
Seja ou não contra a realização da copa e os
seus gastos vergonhosos, a verdade é que o povo está encontrando motivos em
tudo para novamente tomar as ruas. Alguns já ouvem suas erupções e outros já
sentem seus abalos. Mas somente as urnas de outubro dirão das consequências do
despertar do vulcão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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