Rangel Alves da Costa*
Já perto do entardecer, quando o sol vai
descambando para pintar o horizonte de vermelhidão de fogo, dois amigos, dois
velhos sertanejos, se encontram debaixo do pé de pau, na malhada do pequeno
sítio, para assuntar o que vai ser tecido em proseado.
Aquele grande e vistoso juazeiro, sempre
imponente que chova ou faça sol, vem testemunhando proseados de gerações a
gerações, das raízes mais distantes daquela gente sertaneja. E espera contente
a chegada dos vizinhos para as conversas que não mudam muito desde os tempos
distantes.
Os amigos sertanejos, de uma geração já mais
envelhecida, com feições já marcadas pelas lutas debaixo de sol e lanhos nas
lides de cada dia, chegam vagarosos, sem pressa, trazendo chapéu de couro na
cabeça, alparcata de couro cru e olhar sempre esperançoso. E logo miram o
horizonte antes de qualquer palavra.
Fazem assim porque no horizonte está o
assunto mais importante, aquilo que sempre falam e lançam todas as esperanças.
Eis que por ali não há assunto mais interessante que sol e chuva, que estiagem
e trovoada, fome e sede e esperança de salvação. E tudo dependendo da formação
do horizonte, na ânsia de avistar nuvens carregadas e o pão da salvação em
forma de pingo d’água.
E no jeito tão próprio de falar, com palavras
matutas cheias de verdades, vão tracejando um linguajar até estranho ao da
cidade grande, mas que compreendida pelo homem, pelo bicho e pela própria
terra. E vão vaqueirando expressões:
“Pois é, cumpade. A terra moiô e bem na
chuvarada passada. Mai tudo tão esturricado, com lanhura na terra de dar medo
em cobra, as aparença dagora é que nem chuvarou. As entranha chuparo as água
todinha e pur riba restou uma moiaçãozinha de nada, coisa tom miúda que num dá
nem pá calango se abeberrá...”.
“Mai do jeito que tava, cumpade, num era pá
ser deferente. Mai de ano sem chuvará, cum a terra perdeno as força, tudo
virano peda ou lascano de sequidão, entonce num era pá uma chuvarada de relepão
cair e já deixar a terra com moiação. Oiando agora pá barra, avistano as nuve
meio empretecida, gorda, e caminhano pru lado de cá, entonce só resta esperar
que venha chuva de trovoada, forte, sem dó de cair nem de escorrer mataria
adento. E que fartura, cumpade, que graça do bom Deus Nosso Sinhô e do santo
Pade Padim Ciço Rumão, nosso pai que tá em riba pá portege toda gente da terra
sufrida...”.
“Mermo sem uví trovão ou ver relampo riscano
no céu, a barra num quer dizê outa coisa. Mai num tenho nem mai certeza,
cumpade. Adespois de tanto tempo sem trovoada, sem ver pé-d’água cair cum
força, nem sei mai pá que santo vou pagá pormessa primero. Me apeguei dum jeito
a Frei Damião que os outo santo ficaro desconfiado, tenho certeza. Se a
chuvarada cair e a semente vingá, a primeira espiga de mio que embonecar vai
ser pá pagar pormessa. Mai acho que nem a primera coieta vai dá pá tanto santo
que me apeguei. Sem falar na muié, que dixe que vai derramá pru riba do
oratório a primera cuia que encher...”.
“Tomem fiz munta pormessa cumpade, tomem me
apeguei a todos os santo. Mai sempre Jesus Cristo Nosso Sinhô em primero lugar.
Mai tomem sei que os santo ai de perdoar nossas faia. Os santo ai de entender
que percisamo primero encher o bucho da meninada, botar água na moringa, ter o
pão pru riba da mesa. E ai de perdoar tomem pruque eles mermo sabe da dor e do
sofimento que nóis passou e aina passa. Só mermo teno munta esperança pá
surportar o que nóis suporta, nesse mundão de meu Deus sem uma gota d’água,
ouvino choro de bicho e de gente, vendo as costela dispontar ossuda e nadica
poder fazer. A ajuda é de Deus e dos santo, mai a chuvarada que caia é do
merecimento do homem...”.
“Principarmente do sertão, cumpade.
Principarmente da terra...”.
E assim as tardes chamam o anoitecer. Os
olhos continuam mirando os horizontes, as esperanças permanecem em cada
coração. E lá no casebre, após acender o candeeiro, a lembrança de se ajoelhar
novamente aos pés dos santos e mais uma vez implorar que os trovões comecem
logo a roncar e chuvarada a cair para a salvação da vida. Da vida sofrida
sertões adentro.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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