Rangel Alves da Costa*
Exatamente sob o título acima, a edição 7-11,
de 1964, da revista O Cruzeiro, trazia uma entrevista de seis páginas com o
então deposto - e prisioneiro - governador de Sergipe. Seu nome: João de Seixas
Dória. Preso desde a noite de 2 de abril de 1964, enquanto dormia com a família
no Palácio do Governo, sob a acusação de fazer parte da ala subversiva, com
viés comunista, que apoiava o governo Jango, foi recebido pela reportagem para
falar sobre as acusações que lhe recaíam. Contudo, demasiadamente hábil, de
acusado se tornou acusador.
E a principal acusação contra o regime
militar então instalado no país, sob cuja ordem ocorreu seu encarceramento, era
de que estava preso sem processo, sem culpa formada; portanto, ilegalmente. Daí
sua afirmação de ser réu sem culpa, assertiva que seria transformada em título
de livro-desabafo escrito ainda na prisão. Logo no início da reportagem
assinada por Ubiratan de Lemos e Darcy Trigo, lê-se a seguinte síntese:
“João de Seixas Dória, sergipano de 1,61 m,
duas vezes deputado federal pela UDN e líder da Frente Parlamentar
Nacionalista, conhecido nacionalmente como um dos mais ativos tribunos da
campanha e como um dos mais corajosos defensores do governo do ex-Presidente Jânio
Quadros, governador de Sergipe, eleito em 1962 e deposto pela assembléia
estadual nos primeiros dias da Revolução de Abril, está prêso até agora, apesar
de beneficiado por uma ordem de habeas-corpus do Superior Tribunal Militar. Os
IPMs concluíram que seu govêrno foi de lisura absoluta, impermeável à
corrupção, e, em matéria de subversão, as acusações permanecem vagas e ainda
não deram para enquadrá-lo em qualquer processo, regular ou sumário. Prêso
inicialmente na Ilha de Fernando de Noronha e depois no 19º Batalhão de
Caçadores, de Salvador, Seixas Dória escreveu um livro - “Réu Sem Culpa” - em
que narra, sem preocupações literárias, o que, quando, onde, como e o porquê de
sua vida política, de suas relações com o Govêrno Goulart, de sua deposição e de
seu encarceramento. Seixas Dória, talvez por descuido, não teve os direitos
políticos cassados. Seu advogado, o Ministro Nélson Hungria, entende que, sendo
assim, sua deposição é nula e Seixas, reconquistando a liberdade, poderá voltar
ao govêrno de Sergipe, por isso, que Seixas continua preso”.
A reportagem-entrevista pode ser analisada a
partir de três vertentes: o prisioneiro Seixas Dória, as acusações feitas e a
sua veemente negativa das provas contra si produzidas pelos generais
revolucionários. Não havia nenhuma acusação contra o homem nem seu governo,
nenhuma prova de corrupção pôde ser apurada, porém o comando militar o acusava
de ter participado do processo subversivo interrompido com a queda de Goulart.
Com relação ao primeiro aspecto, diz a reportagem
que naquele momento o deposto governador sergipano estava encarcerado num
pequeno quarto de três por quatro metros, rodeado por livros, jornais velhos e
medicamentos. Foi entrevistado durante a hora do banho de sol e com a condição
de que suas palavras não fossem distorcidas. Mostrava-se ora calmo ora nervoso,
com raciocínio veloz e um extraordinário poder de retórica. Adiantava-se nas
respostas antes mesmo que as perguntas fossem concluídas. Disse não ter sido
torturado, mas que conhecia casos de tortura naquela unidade.
As acusações que sobre Seixas Dória recaíam também
são citadas na reportagem. Ele havia sido fundador da Frente Nacionalista em
Sergipe, acusada de agitação subversiva; articulava-se com comunistas
sergipanos e deu pleno apoio ao plano de alfabetização de Paulo Freire;
recusou-se a empregar a polícia contra os invasores da Fazenda Bicas, da Rede
Ferroviária Federal; participou do 7º Congresso Nacional de Trabalhadores
Ferroviários, em Pernambuco, onde foi cantada a 3ª Internacional; durante a
Conferência dos Governadores, na Bahia, de punho cerrado, deu vivas às
Repúblicas Socialistas Soviéticas; lançou proclamação, após a Revolução,
pedindo apoio a Jango contra o movimento de 31 de março; tinha ligação com
grupos e intelectuais comunistas; e, finalmente, tomou parte no comício do dia
13, na Central do Brasil, sendo um dos mais entusiasmados e aplaudidos
oradores.
Por sua vez, contestando as alegações dos
generais, Seixas Dória declarou jamais ter sido subversivo ou comunista.
Afirmou ser católico praticante e anticomunista, e até já tendo sido
injustamente acusado de ser entreguista a favor dos americanos. Havia lido
Marx, mas para chegar à conclusão que o marxismo já estava superado no mundo.
Não era contrário ao capitalismo estrangeiro se este se mostrasse bom. Afirmou
ser um defensor intransigente da Reforma Agrária. Disse ainda ser impossível que
os acusadores provassem as acusações feitas, vez que: “Não existem provas de
subversão contra mim. O que podem existir são interpretações de fatos,
arrazoados, que jamais comprovarão o meu enquadramento como subversivo. Eu já
disse e repito: o que sou é esquerdista e nacionalista. E, como tal, não
pratiquei subversão, nem me deixei envolver por comunistas”.
A reportagem de O Cruzeiro aí termina, mas o
desfecho da história não. Seixas Dória foi libertado, mas não retornaria ao
governo. O Ato Institucional nº 2, de
1965, suspendeu seus direitos políticos por dez anos a partir de 4 de julho de
1966. Anistiado em 1979, retornou à política, disputou sem êxito alguns pleitos
(assumiu a Câmara Federal apenas como suplente), e exerceu cargos
administrativos em vários governos. Faleceu aos 94 anos, na tarde de
terça-feira 31 de janeiro de 2012.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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