Rangel Alves da Costa*
Não há mais recordação da última vez que o
trem apitou chegando ou partindo da estação. As pessoas agora chegam por outros
caminhos, partem por outros meios, menos pelos trilhos do trem.
Num tempo distante, onde aquela estação era o
local mais importante e concorrido do lugar, com pessoas partindo e chegando,
gente esperando com flores à mão e se despedindo com acenos de lenços molhados,
tudo era tão diferente.
Dia e noite e sempre a presença de gente na
estação. O relógio batia pontualmente, o calendário jamais deixava o tempo
envelhecer na mesma data. O vendedor de bilhete e de doces, o cachorro
volteando por ali, a velha senhora que todas as manhãs e ao entardecer chegava
para varrer os bilhetes caídos, os papéis pelo chão, as pétalas mortas das
flores murchas.
O último trem partiu ao amanhecer. O último
trem chegou ao anoitecer. As lágrimas e os lenços da despedida restaram como
sombras ainda não dispersas. As flores de boas vindas, os abraços e os beijos
também ainda permanecem como espectros entristecidos. E por isso mesmo a
estação ainda continua com aquela feição da última chegada e da última partida.
Mesmo tantos anos depois, a estação ainda
continua existindo como antigamente. O tempo não se fez de traça para consumir
as madeiras envelhecidas nem o que se estendia ao redor. Ainda os dois velhos
bancos, a velha lixeira, portas e portinholas se abrindo e se fechando ao sopro
do vento. O relógio dependurado, o calendário amarelado.
E também o cachorro. As pessoas sumiram,
nenhum visitante chega por ali, mas o cachorro ainda continua do mesmo jeito
que antigamente. Vai chegando mansamente e senta no cimento cheio de folhas
mortas da estação, ao lado do local de desembarque e de onde se avista as
distâncias magras dos trilhos.
Ali sentado, assim permanece o cachorro quase
o dia inteiro. Mas de vez em quando começa a insistentemente olhar para os
lados de onde o trem apitava anunciando sua chegada. É como se ainda ouvisse o
apito e olhasse o seu despontar lá na curva da serra. Depois, percebendo que o
trem nunca vem, entristecidamente baixa a cabeça e molha o chão com dois pingos
de lágrimas.
O vento, a ventania, as folhas mortas, a
poeira e o pó, eis agora as presenças na estação. O silêncio é entrecortado
pelo zumbido da ventania que faz curva na serra e vem seguindo pelos mesmos
trilhos. Traz consigo um monte de folhas secas, que caem pelo chão da estação
como cartas enviadas por aqueles que não mais descerão dos vagões.
Os ponteiros do velho relógio ainda caminham
cansados, desnorteados da hora e do tempo. O calendário escolheu uma data e ali
o tempo fez sua eternidade. Quando o vento bate e as folhas se movem, é como se
os dias quisessem forçadamente avançar. Mas depois tudo volta àquela data que
nunca passa.
No brilho dos olhos do cachorro, como
espelhos refletindo mistérios, avista-se alguém chorando por outro alguém que
não chegou no trem. Enxergam-se os braços erguidos com buquê de flores e um
abraço apertado. É possível reconhecer alguém acenando do trem que já se
distancia. E um lenço molhado em torno de olhos lacrimejantes.
Mas dizem que nas noites mais escuras, quando
o silêncio sobressai-se a todo ruído, é possível ouvir o apito do trem. E um
apito que aumenta, se aproxima, mas nunca chega. E também vultos inertes ou
caminhando pela estação, talvez aflitas, esperançosas daquela chegada.
E no amanhecer apenas a solidão. E o cachorro
que mansamente caminha e logo se deita no mesmo lugar. E dia após dia, noite
após noite, espera o trem que não vem. Apenas o apito, que talvez seja um grito
de saudade. E não do trem, pois ele não vem.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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