Rangel Alves da Costa*
Recordo-me vivamente. Nos inícios da década
de 70, no dia que foram testar a iluminação elétrica na povoação onde nasci, em
Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, no alto sertão sergipano, até então
relegada ao breu dos esquecidos, aconteceu algo totalmente inusitado e
inesquecível.
Assim que as lâmpadas dos postes foram
acesas, provocando um clarão jamais visto naquelas noites sertanejas, além de os
moradores tomarem as ruas para apreciar a novidade, não demorou muito e os
logradouros da cidade ficaram completamente cheios de galinhas, galos, pintos,
tudo que fosse galináceo.
Era uma cena indescritível. Completamente
atordoadas pelo clarão, as aves andavam de lado a outro sem saber aonde chegar
ou o que fazer. Deitadas que estavam desde a primeira sombra do anoitecer, de
repente foram surpreendidas por aquela estranha claridade. Pensaram que já era
dia e desceram dos poleiros e seguiram para as ruas.
Também atabalhoados pela novidade, pelo
progresso que chegava através da luz, muitos sertanejos nem se deram conta
desse fato. Dividiam ruas e calçadas com as aves e verdadeiramente não se sabe
quem estava mais admirado com o dia debaixo da noite. Olhavam para as
luminárias nos postes como uma coisa do outro mundo que estivesse invadindo o
sertão.
Doutra feita, quando a terra sertaneja ainda
possuía grandes áreas de vegetação nativa com catingueiras, aroeiras, cedros,
angicos, umburanas e muitas outras árvores caipiras, bem como plantas rasteiras
e cactáceas por todo lugar, e era possível encontrar bichos de caça não muito
longe da cidade, também acabou sucedendo um fato inesperado.
O sertanejo lançava mão de sua espingarda e
de seu perdigueiro e não demorava muito para garantir a caça que alimentasse a
família. A nambu, a codorna e o preá eram os animais mais presentes nos
embornais de retorno. Mas um acontecimento corriqueiro acabou fazendo com que a
caça fosse parar na cidade, correndo pelas ruas, invadindo casas, se escondendo
debaixo de camas e pelos cantos.
Assim aconteceu depois que uma coivara mal feita
acabou provocando um incêndio num pasto de uma propriedade ao redor. Coivara,
para quem não sabe, é a queima do mato, após ser derrubado e juntado, para
limpar o terreno e prepará-lo para o plantio. Hoje já não se aconselha tal
prática, vez que a terra acaba perdendo seus nutrientes. Pois bem, vamos ao
caso. O incêndio ganhou proporções tais que milhares de preás, acossados pelo
fogo e sufocados pela fumaça, correram desembestados e foram parar na cidade.
Entravam aos montes pelos quintais, seguiam
adiante e ultrapassavam as portas dos fundos e da frente, e se espalhavam por
todo lugar. O mesmo que se faz para matar ratos com cabos de vassouras se fazia
com relação aos preás. Meninos jogavam pedras ou corriam atrás, adultos
encurralavam os bichinhos e depois só era puxar o pescoço. E foi fartura de
preá pra muitos dias, com panelas cheias e fogões tostando seus quartos e
pernas.
Contudo, como as casas eram também celeiros
de ratarias, com cada rato maior que preá, depois eu fiquei sabendo que no afã
do pega-pega e da matança, muita gente acabou trocando gato por lebre. A
aparência muito aproximada entre um e outro acabou fazendo que colocasse na
brasa o rato pensando que era preá. E comeu do mesmo jeito. O que prova que a
comida é rejeitada pela fama, não pelo sabor.
Mas um fato especial há de ser recordado. No
dia da invasão dos preás uma senhora cochilava despreocupadamente na porta de
casa, bem sentada numa cadeira de balanço, de vestido e com as pernas um tanto
descuidadas. Eis que na correria um dos desesperados roedores pulou nas pernas
e foi subindo coxas adentro. Sentindo a estranheza, ela despertou num salto e
gritou: Socorro, socorro! Tragam uma ratoeira pelo amor de Deus!
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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