Rangel Alves da Costa*
O conceito de povo, por mais amplo e
abrangente que seja, não pode ser minimizado segundo objetivos escusos. Eis que
povo é um conjunto de indivíduos, os habitantes de uma região, a população em
geral, o conjunto de cidadãos de um Estado. Também significa gente, indivíduos,
pessoas, sujeitos. E todos os conceitos e significados jamais trazem
características distorcidas no seu bojo. Mas a política, na sua ardileza de
tudo transformar em seu proveito, acaba proporcionando-lhe um sentido bem
diferente. E desonroso.
Por mais que se desdobre para negar, para
proporcionar uma resposta menos explícita e vexatória, não há como não dizer
que a ideia de eleitor é aquela que logo surge ao político quando se fala de povo.
Não existe gente, indivíduo, pessoa, sujeito, nada que signifique o
reconhecimento do ser, mas apenas e tão somente o eleitor, o votante, aquele
que lhe será útil para alcançar a vitória nas urnas. Noutros tempos foi visto
como cédula eleitoral, mas hoje apenas como uma cola com o número do candidato.
Além de ter sempre o povo como mero eleitor,
o político tudo faz para descaracterizá-lo ainda mais. Ora, ser apenas eleitor
não significa quase nada se não for transformado também em massa de manobra. Na
concepção do político, será sempre preciso ter o eleitor nas suas rédeas,
devendo-lhe obediência, subjugado a seus favores, mantido à sua disposição como
um mero objeto votante. Firmar um contexto de dependência, ajudando-o a se
manter de pé, porém sem forças para reagir, é uma forma eficiente de controle do
homem e do eleitor.
Lamentável que assim aconteça, mas é a pura
verdade. Nem mesmo o político filósofo, sociólogo, psicólogo ou seja lá o que
for, jamais se preocupará em ver o povo como conceito outro que não o de
eleitor. E não adianta pretender mostrar que povo é muito mais que um mero
votante, um sufragista. Não adianta porque o valor de cada um está na soma que
pode proporcionar aos planos eleitoreiros.
Por incrível que pareça, mas o verso
sobrevive de seu inverso, por ele é escolhido e eleito, é votado e aclamado,
pois o antônimo de eleitor é exatamente político. E assim porque enquanto
político é geralmente sinônimo de esperteza, astúcia, manha, desonestidade,
mentira, o povo, por mais que seja culpado pela existência daquele, não padece
de tantas imperfeições. Excetuando-se as escolhas errôneas que sempre faz e
ousa, covardemente, repetir, ainda pode ser visto como honesto e trabalhador.
Para se dimensionar tal questão, basta ver o
que ocorre nos acordos firmados entre candidatos e aqueles que se dizem
lideranças políticas e donos de verdadeiros currais eleitorais. A liderança
vende seu apoio garantindo o voto de uma boiada, daquelas tantas cabeças de
eleitores que assevera dispor no seu curral. Jamais afirma que pode contar com
a ajuda de tantos ou quantos amigos, mas que pode despejar uma quantidade de
votos no candidato.
As tais lideranças políticas, na contagem de
eleitores para as negociações, apenas vão somando os votos casa a casa. Naquela
tenho tantos votos, naquela outra posso contar com mais tantos, e ainda na
outra não sei se tenho o apoio de todos, mas da maioria. Quer dizer, não há
consideração alguma com as pessoas em si, mas tão somente como prováveis
votantes, como eleitores que são somados e vendidos pela pretensa liderança. E
recebem quantia pela venda de quantidade, e neste aspecto nenhuma diferença faz
se vendeu cem cabeças de gado ou os votos de cem pessoas. Mais uma vez a pessoa
não passa de mero objeto de barganha.
A transformação da condição da pessoa humana
em simples objeto, número ou quantidade, arraigou-se culturalmente segundo as
necessidades de uso que os sujeitos possam ter. Na política clientelista,
baseada na troca de favores e onde os eleitores são tratados como dependentes
para quase todas as situações da vida, o político simplesmente procura suprir
as necessidades segundo o número de votos que precisa obter. É, pois, o voto em
si, e não a pessoa empobrecida, que interessa ao político. E quanto mais pobres
e dependentes mais será fácil garantir votos em troca de favores degradantes.
Na política coronelista ocorria também assim,
e de forma mais vergonhosamente explícita. Perante os coronéis, senhores de
poder e mando, não havia a mínima diferença entre pessoa e bicho. O termo
curral eleitoral vem daí, vez que o poderoso senhor mantinha seu eleitorado em
cativeiro alimentado por escravismos e subempregos, na condição de miserável e
sempre necessitado, de modo que dele dependesse para tudo na vida. Mantidas da
mesma forma que o senhor sustentava seus bichos, como num curral dependente do
alimento para sobreviver, as pessoas se transformavam apenas em números.
E não ocorre diferente nas esferas
governamentais onde haja programas assistenciais objetivando submeter a
sociedade empobrecida ao assistencialismo ou clientelismo estatal. Neste
aspecto, quase nada mudou. Existe ainda um coronelismo disfarçado e um
clientelismo explícito. Quanto ao assistencialismo, basta ver com quantas
bolsas-família se ganha uma eleição.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Muito bom texto. Eu li um texto seu no Jornal do Dia e achei bem interessante. Também faço poemas e sou Representante da Frente Integralista em Sergipe.
para saber mais sobre o integralismo brasileiro sem as notorias distorçoes da midia pró-marxismo acesse:
http://ask.fm/integralismo32
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