Rangel Alves da Costa*
Ela não pensava noutra coisa a não ser no
zodíaco. Aliás, sua vida dependia totalmente das previsões zodiacais. Vivia
lendo e relendo um livreto com as previsões astrais para o não inteiro, ainda
assim madrugava já ouvindo pelo rádio o que o zodíaco reservava para o seu
signo naquele dia.
E tanta preocupação com as previsões acabava
lhe causando problemas gravíssimos de resolver, não só porque as previsões nem
sempre se combinavam como porque acreditava com mais fervor naquela que
sentisse como mais negativa. Então seu dia se transformava num verdadeiro
transtorno.
Bastava ler: “Não deixe que os respingos do
passado ou do presente atrapalhem sua caminhada”. Pronto, pois para ela era
quase como uma sentença ruim. Transformava o termo respingos em pingo ou gota
d’água ou qualquer coisa que pudesse cair sobre si e molhar, e então fazia tudo
para evitar se aproximar de qualquer líquido.
Por consequência, com medo que qualquer
gotícula respingasse no seu corpo, nesse dia não tomava água nem saía de casa
se estivesse chovendo, sequer tomava banho. Não se aproximava de ninguém que
estivesse com copo ou xícara à mão. E logicamente fazia tudo para não
entristecer e chorar, pois estremecia só em pensar ter lágrimas respingando
pelo seu rosto.
Bastava ler: “Desnude o que há em você. Tire
de cima de si o que atrapalha sua vida e faça da nudez dos sonhos e planos uma
forma de realização”. Quase desmaia quando ouviu o locutor matinal ler tais
palavras na previsão do seu signo. Ouviu tudo, mas fixou a mente apenas na
palavra nudez. E daí um problema danado para resolver tal situação. Não para
ela, que queria porque queria sair porta afora completamente nua.
Apareceu diante dos pais como veio ao mundo,
sem ao menos estar de calcinha, completamente pelada. A mãe avançou-lhe com um
cabo de vassoura enquanto o pai encobria os olhos para não ver a cena. Enxotada
para o quarto, logo se ouviu uma gritaria do lado de fora. Era a varredoura de
rua bradando para que a família não deixasse a mocinha pular a janela daquele
jeito. Acabou o dia amarrada e coberta por dois vestidos longos. Aos prantos,
ela repetia que morreria no dia seguinte, pois tendo descumprido a ordem
zodiacal.
Mas logo que despertou, já liberta daqueles
roupões, a primeira coisa que fez foi ligar o rádio ao tempo que lia o livreto
com a previsão do dia. E a que lhe pareceu mais verdadeira dizia: “Não deixe
que os outonos da vida fragilizem a essência do seu ser nem que desfolhem suas
esperanças. Mas ou luta contra o sofrimento ou será levada pelo ar como folha
seca”. Pronto, a morte, minha morte, foi o que logo pensou.
Sequer tentou compreender o real significado
da previsão e logo juntou a contrariedade ao zodíaco do dia anterior com a
sentença do dia e não deu outra: tinha certeza que ia morrer. Ora, outono,
folha seca, só podia ser morte. Então, convicta que seu dia final havia
chegado, decidiu que morreria ali mesmo na cama. Assim permaneceu até sua mãe
entrar no quarto para perguntar se estava doente. Respondeu apenas que ia
morrer. Mas ainda não tinha chegado sua vez.
Quase não dorme pensando nas previsões
zodiacais não acontecidas. E se culpou por estar fugindo do destino. Dizia a si
mesma que os astros não mentem jamais, mas ela estava se transformando numa
mentirosa. E também que não mais confrontaria as previsões. Comprometeu-se,
então, a ser ainda mais fiel ao que o destino, através dos astros, lhe
reservava.
E leu ao acordar: “Após a porta há uma
estação e nesta o trem da felicidade que lhe aguarda. Então faça dos seus
trilhos o caminho que deverá seguir nesse dia”. E nem pensou duas vezes.
Levantou e seguiu para os lados da estação. E deitou nos trilhos do trem que já
apitava ao longe.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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