Rangel Alves da Costa*
Muita gente teme a profundidade do silêncio,
a maioria certamente foge da solidão. Assim acontece porque o silêncio chama à
reflexão e esta ao pensamento, num acerto de contas sempre indesejável. E daí
um desencadeamento que pode chegar à saudade, à tristeza, à dor.
E foge da solidão por razões ainda mais
contundentes, ainda que o fato de estar sozinho nem sempre provoque as
consequências devastadoras que tanto se alardeia. Mas afirma que nela repousa o
cenário ideal para o sofrimento, para a fragilidade espiritual e para o
encontro com antigos fantasmas próprios, dentre muitas outras situações
dolorosas.
Não posso afirmar que pessoas que pensam
assim estejam erradas, pois certamente possuem experiências como confirmação,
mas não avisto nenhum labirinto nem no silêncio nem na solidão. Pelo contrário,
gosto de vivenciar tais instantâneos de vida e deles usufruir muito mais que em
meio a vozes, companhias e multidões. Por isso mesmo que espero sempre o
silêncio e abraço sempre a solidão.
O silêncio povoa meu espaço daquilo que
desejo ouvir. Ouço canto de pássaros, asas esvoaçando, asas rompendo o vento.
Ouço o sussurro das folhagens, a cantiga da cortina balançando, o sopro leve da
brisa. Ouço a ventania chegando, os coqueirais embalados de entardecer, as
ondas passeando no cais.
A solidão me faz maior, imenso, inalcançável.
Nunca estou sozinho, nunca na distância ou trancado num quarto, pois o meu
mundo solitário ultrapassa limites e me faz alcançar além-fronteiras e
horizontes. Estando solitário, sou eu e o eu muito além do que sou, sou eu e o
que está no outro eu que já saiu de mim.
O silêncio é minha voz íntima, minha palavra
interna, minha consciência, minha reflexão e minha algazarra. Mesmo com a boca
fechada, sem uma palavra sequer, mesmo assim sou pura voz, barulho,
estridência. Penso e respondo, me questiono e procuro satisfazer minhas
dúvidas, olho e sinto a presença e nomeio tudo que está ao redor.
A solidão deixa-me sem interferências, sem
ser interrompido, sem ter de me ater ao que não interessa. Sou apenas eu
perante meu espelho, sou apenas eu dentro de minha sombra, sou apenas eu onde
eu esteja e como esteja. Na solidão não preciso procurar, pois já sei onde
está, não preciso nada pedir senão a mim mesmo.
O silêncio faz ecoar a velha canção desde
muito esquecida, da janela ouço o noturno, o prelúdio, a sonata, a valsa
vienense. Também ouço a voz que quero ouvir, dialogo com essa palavra verdades
não ditas, peço que repita e diga mais baixinho, peço que me escute sem negar a
razão. E se no silêncio fizermos silêncio, ainda assim ouvirei o pulsar do
coração dizendo o que quer de nós.
A solidão possui o seu próprio relógio, o seu
pulso, o seu tempo, sua vida e seu calendário. A solidão é de existência própria,
num mundo só seu e que existe por escolha. E por isso mesmo um mundo bom de
viver, de caminhar sem ter as pedras dos outros nos caminhos, de colher as
flores já conhecendo os espinhos. Um mundo com porta e janela e com chaves à
mão, com estrada adiante e sem ninguém que mande seguir outro caminho.
O silêncio tem um sino de igreja que tanto
preciso ouvir. O silêncio possui uma voz na chama da vela. O silêncio declama
poesia de amor maior. O silêncio ecoa o passado, alguém me chamando de filho,
alguém me ensinando uma bela lição. Tudo isso ouço no instante que quero e com
as consequências que desejo encontrar.
A solidão tem a mim mesmo e quantos do meu eu
são chamados para estar comigo. A solidão não me nega nem me esconde. Por isso
mesmo a minha completude no espaço indiviso. E assim apenas eu num mundo que é
todo meu. Sobreviver em tal mundo e nele encontrar a coragem para abrir a
porta, eis a força de quem não teme nem o silêncio nem a solidão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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