Rangel Alves da Costa*
Ontem a presença terrena, hoje a presença
ainda maior, mais viva, pois perante a imensidão de afeto e ternura trazida
pela saudade. A recordação dos parentes queridos que partiram desta vida acaba
revelando a pujança dos sentimentos aflorados. E assim nos filhos, netos,
bisnetos, parentes e amigos, numa linhagem de convívio e permanência.
Difícil para todos que assim aconteça, mas desde
o dia ou do instante daquela sempre inesperada despedida que muitas certezas
acabam tomando voz, feição e pensamento em cada um. Somente a partir daí, com o
lamento e tristeza do acontecido, é que a valorização do ente querido é
despertada e vai se tornando cada vez mais difícil se afastar da recordação, da
saudade e do sofrimento.
A verdade é que, enquanto no convívio
terreno, acostumamos que o tempo simplesmente vá passando e quase nada
revelamos àqueles que amamos, que estão ao nosso lado, fazendo parte do dia a
dia. É como se vivêssemos para a eternidade. É como se jamais despertemos para
as situações fatídicas da vida, para os instantes de despedida.
A morte é fato jamais aceito. Por mais que
tal destino seja a única certeza existente na vida do ser humano, a verdade é
que ninguém se prepara para sua chegada – nem própria nem do outro. A morte é
inaceitável sob qualquer aspecto e situação, ainda que a enfermidade seja
duradoura ou a doença não possa ser debelada pela medicina. Ainda assim ninguém
aceita sua chegada e, por consequência, cada despedida se transforma num
martírio indescritível.
Não
reconhecer que somos agentes dessa iminência do destino, acaba se tornando num
tipo de negligência amorosa, de desleixamento ou esquecimento para com os
nossos. Somente depois que perdemos é que pensamos em reparar os erros pelas
omissões afetivas. Mas, infelizmente, somente através das lágrimas, das
tristezas, dos sofrimentos e das saudades torturantes.
Geralmente apenas convivemos e nos damos por satisfeitos
e sempre achando que amanhã e depois de amanhã, no ano seguinte e depois, ainda
estaremos ao lado daquela pessoa. Mas eis que nos chega a lição do Eclesiastes:
Há um tempo pra tudo. Tempo de nascer e tempo de morrer...
Temos todo o tempo do mundo para o
compartilhamento, para a palavra, para a demonstração de carinho e ternura, mas
apenas na ausência é que geralmente sentimos que tudo poderia ter sido muito
diferente. E na ausência nos damos conta que fomos bem menos do que deveríamos
ser, que amamos muito menos do que deveríamos amar, que ouvimos muito menos do
que deveríamos compreender.
Então passamos a divagar mirando as vidraças
das janelas, olhando os horizontes, diante de retratos e situações que
relembram a presença. E intimamente dizemos que quem dera que o tempo e a vida
pudessem retornar a outros momentos. E quem dera reencontrar, quem dera que a
voz ainda estivesse sendo ouvida falando com os seus, dando conselhos,
sorrindo, brincando, esbravejando. Quem dera...
E são estes dolorosos pensamentos que acabam
trazendo a certeza da eternidade, mas noutro sentido: a eternidade do amor,
fruto da saudade sentida. Muitas vezes um reconhecimento tardio, mas tão
verdadeiro quanto na presença física, pois somente permanece na dor e no
sofrimento aquele que continua guardando o outro no coração.
Mas as lições da dor nem sempre ajudam na
transformação da realidade. Tanto que sofremos pela partida, mas esquecemos de
alimentar o amor vivo, presencial, daquele que ao nosso lado convive. E urge
que reconheçamos o amor no presente, de modo a não recairmos em culpas quando
das despedidas.
Assim, valorize sempre a face diante de si. E
não viverá o tormento de, amanhã, querer continuamente declarar seu afeto ao
retrato que jaz silencioso na parede.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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