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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 29 de novembro de 2014

AMIGOS


Rangel Alves da Costa*


Tornou-se cada vez mais costumeiro ouvir de um e outro que não se faz mais amigo como antigamente. E com toda razão. Não só não se faz mais amigos como outrora como se tornou raridade encontrar alguém com as características de verdadeiro amigo. Tornou-se tão difícil que numa hora de precisão um bom tempo é despendido para lembrar um só nome. E ainda assim sem a certeza da acolhida tão urgente e necessária.
Quais são as características de um verdadeiro amigo, alguém poderia indagar. Nada que assombre a ideia. Pelo contrário, apenas o reconhecimento do outro não apenas no instante de necessidade maior, mas em todos os momentos da existência. Noutras palavras, ter a certeza de não estar desamparado, sozinho, que pode contar com alguém. E não somente para ser auxiliado, receber apoio, mas para compartilhar o prazer do encontro, do convívio, do instante acompanhado de café com palavras.
O amigo faz falta não porque esteja ausente num momento de precisão ou porque desconhece a amizade quando dele mais necessita, e sim por estar presente na recordação e no afeto e não ser encontrado no dia a dia e nos acasos da vida. O amigo, ou aquele em que se confia a amizade, vive na lembrança e não em pensamentos ocasionais, permanece no coração e não apenas como número de telefone ou nome de agenda. Por confiar, cria-se a sensação de segurança e de presença.
 A verdadeira amizade é bondosa e altruísta, é solidária e humilde, é compreensiva e sincera, e um amigo assim é sempre essencial na vida de qualquer um de igual pensamento. Por isso mesmo que se mostra difícil encontrar pessoas com tais características nos dias atuais, e estes tão cheios de vaidades, soberbas, egoísmos e isolamentos. Com efeito, o mundo atual é formado por pessoas que se tornam estranhas aos conhecidos e familiares, por viventes que buscam refúgio em ilhas cercadas de gente por todos os lados.
As ilhas humanas demonstram bem como o ser está cada vez mais sozinho. Pessoas que evitam pessoas, que as olham com desconfiança e até arrogância, seres que se presumem capazes de tudo na sua solidão premeditada. Verdade que surpresas desagradáveis fazem evitar até pessoas mais íntimas, porém nada justifica a descrença no próximo, o isolamento como se ninguém mais merecesse confiança e a construção de uma amizade sincera. Por consequência, as ilhas proliferam separando aqueles que estão lado a lado.
Ou o homem acredita no homem ou o convívio terreno ficará cada vez mais insustentável. Porque já suportou uma falsidade de quem não esperava que cometesse, muitas vezes a pessoa acaba evitando ir além de um tratamento distante e frio. Mas é preciso conhecer as pessoas, será preciso uma maior aproximação para apreciar suas virtudes, seus modos, o que as guarnecem positivamente. E de repente, naquele que nem se mostra além da sinceridade estará alguém que pode ser confiado, compartilhado, acreditado. Um amigo.
A amizade não se constrói nem se sustenta com escusas intenções, e muito menos perdura com fingimentos e falsidades. Até que um possa ser enganado por algum tempo, vez que aquele de bom coração insiste em não acreditar na maldade do outro, mas quando a verdade estabelece a realidade dos fatos, então será o farsante que amargará a solidão e o desprezo, sentirá no íntimo a falta que faz não poder contar com alguém que ao menos lhe diga o quanto andou errado.
A verdade é que, demonstre ou não, todo mundo deseja um amigo, e quanto mais verdadeiro melhor. Assim na vida, assim na morte, e assim para a eternidade. Citei amizade até na morte para narrar uma passagem ocorrida lá no sertão. Eis que um senhor muito pobre morreu na boca da noite e um seu vizinho, sentindo a situação desesperadora da viúva solitária, disse-lhe que não se incomodasse com nada que ele havia sido amigo do falecido na vida e continuaria sendo na hora da morte. E no meio da noite rompeu mais de dez quilômetros, sozinho por entre perigosas veredas, para ir encomendar o caixão. E com ele voltou na cabeça, sem descansar um só instante, até avistar a malhada do casebre entristecido. Depois ainda teve tempo para chorar, e o choro mais verdadeiro de todos, que é nos olhos do coração.
Mas outras breves situações também ilustram gestos de profundas amizades por este mundão afora. Diante de uma doença, muita gente sofre pelo enfermo como se ao lado de uma pessoa amada, guardando-lhe a cabeceira, fazendo orações, providenciando o que for possível para amenizar a desesperadora situação. No meio da noite, diante de qualquer ocorrência, ao bater a porta é que se reconhece a verdadeira amizade. O bom amigo não só abre a porta como serve no que estiver ao alcance. Na ausência do amigo, somente aquele que lhe guarda carinho e afeição faz a defesa sincera e justa perante línguas ferinas.
Também é amigo aquele da canção, guardado no lado esquerdo do peito. Ou o outro que chora sua dor sobre o ombro daquele que desde muito não encontrava. Amigo é pra essas coisas, diz a música. Não só para essas coisas como para muito mais, pois a verdadeira amizade possui a firmeza do diamante e o valor inestimável da própria vida.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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