Rangel Alves da Costa*
Todos os dias, pouco mais das três horas da
manhã, ou ainda na madrugada, coloco a primeira palavra na folha e faço valer o
provérbio latino: Nulla dies sine linea. Ou seja, nem um dia sem uma linha. E
da palavra à frase, da frase ao contexto, e assim em diante vou construindo
minha escrita.
Escrever tornou-se verdadeiramente uma
necessidade. Assim como necessito do alimento, da água, do trabalho e do
repouso, também necessito escrever para me dividir entre as palavras e os
contextos. Dentro de mim não cabe baús, arquivos, bibliotecas nem livros
grossos e envelhecidos. Dentro de mim não há mais lugar para guardar ideias,
pensamentos, histórias e imaginários, então transformo tudo em escrita.
Já publiquei cerca de vinte livros, possuo
tantos outros já prontos para publicação e textos que, reunidos, dariam muitos
outros volumes. Mas por que escrevo e para quem escrevo? Não sei se
compreenderão minha afirmativa, mas escrevo para mim, antes de tudo para mim.
Se eu não escrever para mim também não estarei escrevendo para mais ninguém. Ou
produzo para gostar do que faço ou ninguém gostará do que produzo.
Muitos certamente afirmariam que a escrita
deve se voltar ao leitor. Lógico, mas primeiro passa pelo crivo do próprio
autor. Creio que a primeira preocupação de quem escreve deve ser com a
qualidade de seu texto e com as ideias nele contidas, e tais ideias nascem
intimamente, da percepção de mundo e da criatividade do próprio escritor. Do
contrário, a escrita se tornaria inútil como criação e servindo apenas como um
amontoado de letras jogadas ao vento.
A preocupação demasiada com o leitor inibe a
criatividade. Corre-se o risco de burocratizar a escrita e deixar de produzir
algo que realmente desperte interesse. Creio que o inusitado, a invencionice e
a fuga aos formalismos são primordiais na construção de bons textos. Aliás, os
melhores textos são aqueles que se apresentam como originais, de modo que o
leitor neles encontre algo que jamais suporia existir ali.
Também creio que não deve haver nenhuma
preocupação com academicismos, com primazia linguística, obediência cega às
normas cultas da língua. Ora, é criatividade, é exercício literário, e não
teoria pedante e fria. Deve haver, isto sim, reinvenção da linguagem, liberdade
para escrever, até experimentação de formas inovadoras para expressar melhor o
conteúdo da escrita.
Pensar diferente seria negar a importância do
realismo fantástico, das inovações linguísticas na escrita, do próprio
Guimarães Rosa e tantos outros autores que fugiram da norma em nome da força
expressiva do texto. Ademais, a escrita literária ou mesmo aquela disposta em
crônicas e artigos cotidianos, deve refletir uma realidade de fundo, uma
proposta de conteúdo, e não surgir nas linhas toda paramentada de terno e
gravata.
Por isso mesmo que minha escrita é
compromissada apenas com o instante e com o que surge à mente quando sento para
escrever. E faço mais, pois misturo tudo e jogo na página. Escrevo artigos como
prosa poética, escrevo crônicas com a linguagem do povo, faço do sério uma
brincadeira, torno o cotidiano o seu ser sem enfeites. Crio personagens para
exemplificar, romanceio tudo se desejo ser melhor compreendido. E não me
importo se sou lido ou não.
E não me importo porque escrevo pra mim,
porque uma parte de mim quer falar através da escrita. Escrevo porque gosto,
porque necessito me expressar através da palavra escrita, porque o que penso
não se apagará se estiver tingido nas páginas do tempo. No futuro, quando não
mais existir o texto do dia, ainda assim estarei presente por aí, sendo lido ou
não, mas existindo no eterno baú dos escritos.
Tudo aqui nasceu da primeira letra, da
primeira palavra. E jamais silencio na vida. Daí que escrevo tanto. Na escrita,
a voz sem pressa de ser ouvida. Mas ecoando sempre.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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