Rangel Alves da Costa*
A sanfona pausou seu toque, a cantoria
nordestina embargou sua voz, o forró – desde a sala de reboco ao asfalto –
arrefeceu o chinelado, eis que tudo entristecido pela notícia passada de boca
em boca: Clemilda, a guerreira alagoana, a rainha sergipana do forró, faleceu!
Partiu num canto de despedida, ecoando a mais bela cantiga que se ouviu cantar
e foi-se unir ao companheiro Gerson Filho e forrozar lá pras bandas de riba, no
paraíso das grandezas nordestinas, no céu sertanejo.
A notícia, infelizmente, foi esta. E desde o
alvorecer que a tristeza enlaça a cultura forrozeira nordestina, espalhando seu
espanto de dor desde o norte ao sul do país. E o que se ouviu foi que Clemilda,
aos 78 anos, faleceu num hospital aracajuano, após longo e tormentoso período
de enfermidades. Os diagnósticos eram muitos, envolvendo diversos problemas de
saúde. Faleceu na madrugada deste dia 26 de novembro, enlutando todos aqueles
que aplaudiam sua trajetória de luta e sucesso, mas também seu encorajamento
nos instantes de dor e sofrimento.
Difícil imaginar a cultura forrozeira
nordestina sem a alegria contagiante de Clemilda. Era artista ímpar, de canto
inconfundível, desde suas raízes primeiras aos tempos de músicas comerciais ou
de duplo sentido. Não importava a letra, mas sim a maestria da interpretação e
a forma como transmitia seu vigor artístico. Fosse num pequenino circo nas
brenhas interioranas ou nos palcos das grandes emissoras de televisão, era
sempre a artista em sua plenitude que se entregava ao doce ofício do
encantamento musical.
Não faz muito tempo que escrevi um texto
dominical (Clemilda, guerreira alagoana de nobreza sergipana) em sua homenagem.
Naquela oportunidade, meu objetivo maior era prestigiar e reconhecer, ainda enquanto
presença, sua importância como mulher, artista, compositora, apresentadora,
enfim, nas múltiplas vertentes que se lançou, e todas com absoluto sucesso. E
agora, diante da cortina que se descerra em aplauso final, apenas transcrevo
algumas considerações ali lançadas.
De baixa estatura, rosto arredondado, feições
trigueiras, cabelos negros encaracolados, usando preferencialmente vestidos
rodados e floridos, com maquiagem que acentue sua feição sorridente, assim era
aquela batizada como Cremilda Ferreira da Silva, e depois Clemilda. Verdade que
nos últimos tempos já trazia as marcas de múltiplas enfermidades pelo corpo. As
doenças a impediam de realizar apresentações, também estava impossibilitada de
receber e divulgar os artistas locais no seu Forró no Asfalto, programa
dominical da TV Aperipê com mais de 25 anos de sucesso absoluto.
Pelas raízes fincadas em Sergipe, até que se
poderia imaginar ser a forrozeira sergipana de folha e flor. Mas não, ainda que
tenha escolhido Aracaju como seu verdadeiro lar e toda essa terra sergipana
como sua irmandade, Clemilda nasceu em São José da Laje, no estado das Alagoas,
e lá pelos idos de 1936, mas passou a infância e adolescência em Palmeira dos
Índios. Na década de 60, seguiu para o Rio de Janeiro em busca de dias
melhores. Na capital fluminense trabalhou como garçonete até conseguir, em
1965, apresentar-se como caloura na Rádio Mayrink Veiga. Foi nesta emissora que
conheceu Gerson Filho, também alagoano do município de Penedo, então artista já
contratado. Assim, o destino unia a voz com a sanfona de oito baixos.
Inicialmente gravou ao lado daquele que viria
se tornar seu esposo e a acompanharia pelas estradas forrozeiras até 1994,
quando faleceu. Mas seu primeiro disco, “Gerson Filho apresenta Clemilda”, só
foi gravado em 1967. Daí em diante o sucesso lhe abriria cada vez mais as
portas. Mas o casal sabia que era na própria região nordestina, berço do forró,
que estava o seu público maior. E assim arribou do sul do país para shows e
apresentações junto ao seu povo, morando primeiro em Palmeira dos Índios e
depois vindo fixar residência na capital sergipana.
Inegável que o sucesso alcançado foi também
fruto de sua obstinação. Poucas artistas nordestinas conseguiram levar o forró
aos grandes espaços radiofônicos e televisivos como ela o fez, se tornando presença
constante em programas como Cassino do Chacrinha, Clube do Bolinha e Faustão,
dentre outros. De voz aguda, porém delicada, impondo a cada canção um acorde
melodioso dos mais afinados, Clemilda foi além da mera interpretação para
também se firmar como compositora famosa, de grande sucesso, mas geralmente em
parceria com outros compositores nordestinos.
E foi nesse acuido que a grande artista foi
se firmando no meio forrozeiro até alcançar a fama tão difícil e até impensável
para uma mulher já de longa estrada musical, tendo recebido dois discos de ouro
e um de platina. Mesmo que o sucesso absoluto somente chegasse com maior força
na fase do duplo sentido, ainda assim estava na artista a destreza pela
aceitação popular. Eis que não apenas com letra apelativa, mas tendo por fundo
a sua sempre empolgante interpretação. Por isso tanto e duradouro sucesso. E
assim sempre será pela eterna gratidão que lhe guarda o povo nordestino,
principalmente sergipano, por ter a honra e glória de ter acolhido tão bela
flor agrestina.
O canto forrozeiro apenas silencia um momento
de dor, mas logo ecoará sua alegria em homenagem àquela que foi sua feição e
voz. E tudo com a mesma eternidade da artista, da guerreira Clemilda, a morena
de olhos negros.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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