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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

CLEMILDA ETERNA


Rangel Alves da Costa*


A sanfona pausou seu toque, a cantoria nordestina embargou sua voz, o forró – desde a sala de reboco ao asfalto – arrefeceu o chinelado, eis que tudo entristecido pela notícia passada de boca em boca: Clemilda, a guerreira alagoana, a rainha sergipana do forró, faleceu! Partiu num canto de despedida, ecoando a mais bela cantiga que se ouviu cantar e foi-se unir ao companheiro Gerson Filho e forrozar lá pras bandas de riba, no paraíso das grandezas nordestinas, no céu sertanejo.
A notícia, infelizmente, foi esta. E desde o alvorecer que a tristeza enlaça a cultura forrozeira nordestina, espalhando seu espanto de dor desde o norte ao sul do país. E o que se ouviu foi que Clemilda, aos 78 anos, faleceu num hospital aracajuano, após longo e tormentoso período de enfermidades. Os diagnósticos eram muitos, envolvendo diversos problemas de saúde. Faleceu na madrugada deste dia 26 de novembro, enlutando todos aqueles que aplaudiam sua trajetória de luta e sucesso, mas também seu encorajamento nos instantes de dor e sofrimento.
Difícil imaginar a cultura forrozeira nordestina sem a alegria contagiante de Clemilda. Era artista ímpar, de canto inconfundível, desde suas raízes primeiras aos tempos de músicas comerciais ou de duplo sentido. Não importava a letra, mas sim a maestria da interpretação e a forma como transmitia seu vigor artístico. Fosse num pequenino circo nas brenhas interioranas ou nos palcos das grandes emissoras de televisão, era sempre a artista em sua plenitude que se entregava ao doce ofício do encantamento musical.
Não faz muito tempo que escrevi um texto dominical (Clemilda, guerreira alagoana de nobreza sergipana) em sua homenagem. Naquela oportunidade, meu objetivo maior era prestigiar e reconhecer, ainda enquanto presença, sua importância como mulher, artista, compositora, apresentadora, enfim, nas múltiplas vertentes que se lançou, e todas com absoluto sucesso. E agora, diante da cortina que se descerra em aplauso final, apenas transcrevo algumas considerações ali lançadas.
De baixa estatura, rosto arredondado, feições trigueiras, cabelos negros encaracolados, usando preferencialmente vestidos rodados e floridos, com maquiagem que acentue sua feição sorridente, assim era aquela batizada como Cremilda Ferreira da Silva, e depois Clemilda. Verdade que nos últimos tempos já trazia as marcas de múltiplas enfermidades pelo corpo. As doenças a impediam de realizar apresentações, também estava impossibilitada de receber e divulgar os artistas locais no seu Forró no Asfalto, programa dominical da TV Aperipê com mais de 25 anos de sucesso absoluto.
Pelas raízes fincadas em Sergipe, até que se poderia imaginar ser a forrozeira sergipana de folha e flor. Mas não, ainda que tenha escolhido Aracaju como seu verdadeiro lar e toda essa terra sergipana como sua irmandade, Clemilda nasceu em São José da Laje, no estado das Alagoas, e lá pelos idos de 1936, mas passou a infância e adolescência em Palmeira dos Índios. Na década de 60, seguiu para o Rio de Janeiro em busca de dias melhores. Na capital fluminense trabalhou como garçonete até conseguir, em 1965, apresentar-se como caloura na Rádio Mayrink Veiga. Foi nesta emissora que conheceu Gerson Filho, também alagoano do município de Penedo, então artista já contratado. Assim, o destino unia a voz com a sanfona de oito baixos.
Inicialmente gravou ao lado daquele que viria se tornar seu esposo e a acompanharia pelas estradas forrozeiras até 1994, quando faleceu. Mas seu primeiro disco, “Gerson Filho apresenta Clemilda”, só foi gravado em 1967. Daí em diante o sucesso lhe abriria cada vez mais as portas. Mas o casal sabia que era na própria região nordestina, berço do forró, que estava o seu público maior. E assim arribou do sul do país para shows e apresentações junto ao seu povo, morando primeiro em Palmeira dos Índios e depois vindo fixar residência na capital sergipana.
Inegável que o sucesso alcançado foi também fruto de sua obstinação. Poucas artistas nordestinas conseguiram levar o forró aos grandes espaços radiofônicos e televisivos como ela o fez, se tornando presença constante em programas como Cassino do Chacrinha, Clube do Bolinha e Faustão, dentre outros. De voz aguda, porém delicada, impondo a cada canção um acorde melodioso dos mais afinados, Clemilda foi além da mera interpretação para também se firmar como compositora famosa, de grande sucesso, mas geralmente em parceria com outros compositores nordestinos.
E foi nesse acuido que a grande artista foi se firmando no meio forrozeiro até alcançar a fama tão difícil e até impensável para uma mulher já de longa estrada musical, tendo recebido dois discos de ouro e um de platina. Mesmo que o sucesso absoluto somente chegasse com maior força na fase do duplo sentido, ainda assim estava na artista a destreza pela aceitação popular. Eis que não apenas com letra apelativa, mas tendo por fundo a sua sempre empolgante interpretação. Por isso tanto e duradouro sucesso. E assim sempre será pela eterna gratidão que lhe guarda o povo nordestino, principalmente sergipano, por ter a honra e glória de ter acolhido tão bela flor agrestina.
O canto forrozeiro apenas silencia um momento de dor, mas logo ecoará sua alegria em homenagem àquela que foi sua feição e voz. E tudo com a mesma eternidade da artista, da guerreira Clemilda, a morena de olhos negros.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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