Rangel Alves da
Costa*
Por que o
cangaço de Lampião e bandos anteriores continua tão vivo e despertando cada vez
mais interesse? Porque a história do povo nordestino na sua raiz e no reflexo
de sua luta contra a histórica mão opressora dos poderes. De certa forma, o
povo nordestino de agora vê naquela luta o seu próprio encorajamento e seu
grito contra as mazelas e injustiças sociais impostas. E desde aqueles tempos.
Lampião:
herói ou bandido? Não pode ser visto como um reles bandido aquele que lutou por
uma causa, que foi levado à luta pelo próprio sistema. O seu contexto histórico
logo revela que teve seu destino gestado pela violência a que foi submetido. Ou
deveria ficar no esquecimento o sangue derramado por sua família? Do mesmo
modo, não pode ser visto como reles bandoleiro aquele que durante vinte anos
comandou homens num ideal comum, sendo caçado feito bicho e ainda assim
conseguiu impor medo e respeito às forças policiais e poderosos. Não pode ser
considerado bandido aquele cujo mérito de luta foi reconhecido pelo próprio
Estado. Ora, a patente de Capitão da Guarda Nacional lhe foi outorgada com
honraria. Um homem assim não pode ser visto como bandido comum. Ademais, mesmo
que não seja visto como herói, ninguém pode desconhecer seu heroísmo. Passe um
dia na caatinga fechada, em meio a serpentes e espinhos, tendo inimigos no
encalço, para ver se é fácil suportar. E quem passou vinte anos nessa lide
debaixo do sol e da lua, viveu heroicamente ou não?
O cangaço
provocava perversidade e violência? Não há guerra sem violência, e o cangaço
vivia em permanente estado de guerra contra as forças policiais. E ninguém
poderia esperar bondade de lado a outro quando se tratavam de inimigos. No
campo de batalha todas as armas são utilizadas, desde a emboscada ao
trucidamento lento do oponente. Há de se observar que era uma luta entre caça e
caçador, entre a presa e predador. De um lado a volante aterrorizando todo o
sertão para colocar na mira o bando. E de outro lado os cangaceiros, lutando
nas trincheiras conhecidas e respondendo ao fogo com mesmo fogo. Daí as
sangrias, as mortes violentas, as barbáries. Se era a medida do olho por olho,
dente por dente, não haveria de esperar cordialidades entre os beligerantes.
E a
violência cometida contra a população? Não há que se negar o rastro de
violência e atrocidade deixado pelo cangaço em muitas localidades e povoações
por onde passou. E nada justifica a barbárie praticada contra inocentes.
Contudo, alguns aspectos devem ser considerados. Em primeiro lugar, mesmo tendo
um comando que norteava suas ações, a grande maioria dos cangaceiros era de
pessoas analfabetas, rudes, carregando no sentimento o peso da rejeição social.
Numa situação tal, muito difícil que tivessem o necessário discernimento para
comedir suas ações violentas. E muitas vezes nem tinham tempo de se precaver
contra as más atitudes, eis que simplesmente lançavam suas iras contra qualquer
um que lhes parecesse ameaça. E nem todos os sertanejos podiam ser vistos como
inocentes, como pessoas que não tomavam partido contra o bando. As delações
eram constantes, as fofocas se espalhavam como chamas vivas, muitos agiam
falsamente ou fazendo o jogo duplo. E tudo isso chegava aos ouvidos de Lampião
e também dos cangaceiros. Daí que muitos pagaram em nome de alguns que entraram
no jogo para colocar a vida do bando em perigo. Por isso mesmo que muitos
ataques deixaram vítimas, tanto inocentes como envolvidas na trama sangrenta.
Mas a violência cangaceira foi muito menor que aquela praticada pela polícia,
pela volante. Esta sim, esta tornou o sertão num lugar de medo, perseguições e brutalidades
sem fim. Tanto torturavam para que dissessem onde o bando estava como matavam
se ouvissem que nada sabiam. Aí a violência mais abjeta.
Lampião
foi um verdadeiro líder? Há quem conteste a liderança absoluta de Virgulino, e
com razão. Verdade que esteve à frente de seu grupo e sobre ele reinou durante
cerca de vinte anos. Foi comandante de homens, um excelente general, exímio
estrategista, mas falhou, em muitas ocasiões, no comando cotidiano de sua
tropa. O mito que foi na ação, no preparo e na hora da batalha, não se mostrou
o mesmo em outras situações. Ora, um líder respeitado não deixa que seus
comandados pratiquem ou extrapolem nas ações violentas contra civis. E toda
violência praticada pelos cangaceiros foi sob o olhar e vigilância de Lampião.
Zé Baiano, por exemplo, não estava desgarrado dele quando ferrou aquelas
mocinhas no sertão sergipano. Ou será que seus comandados simplesmente agiam e
depois tudo ficava por isso mesmo? Será que continuariam fazendo o mesmo se o
Capitão firmemente ordenasse que não mais aceitaria aquela maldade contra
inocentes? Se ordenou foi desrespeitado, se não ordenou foi conivente. E por
isso também culpado.
E sobre a
chacina da Gruta do Angico? Lampião sabia que o seu tempo havia chegado. E
estava preparado para deixar aquela vida de lutas e sofrimentos. Estava
cansado, desiludido, carregando nas costas um desafio de vinte anos. E que
jamais sairia como vencedor. Ele sabia disso. Por isso mesmo não se preocupou
em acoitar naquele local de defesa tão difícil para o seu bando. Tudo ali era a
favor do inimigo, desde o rio às serras. E a gruta sem saída. E o fim. Mas
também dizem que ele já não estava ali. Mas também dizem tanta coisa, até que
ele se transformou em pedra e como pedra eterna continua lá no Angico. Até que
eu acredito!
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro Rangel, não se pode mesmo negar o estado de violência pelo qual passou nosso Nordeste - em especial os nossos sertanejos devido as ações dos cangaceiros e, em consequência, as ações dos próprios policiais que combatiam o cangaço. Contudo, se as injustiças fossem interrompidas na origem de toda a história do cangaço, acredito que os jovens das diversas paragens do nosso sertão, não teriam ingressado numa vida tão perigosa e de sofrimento.
Antonio Oliveira - Serrinha.
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