SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 16 de novembro de 2014

TIA MARIQUINHA


Rangel Alves da Costa*


Com pouco mais de um ano da partida de minha avó Emeliana, neste sábado 15 minha Tia Mariquinha também se despediu da vida terrena. Maria Marques da Silva, ou simplesmente Mariquinha, fazia parte da melhor estirpe de Poço Redondo, com raízes familiares que remontam à própria história da povoação. Faleceu aos 87 anos e após um período de melhoras e pioras na saúde.
Uma mulher sempre reconhecida e valorizada por todos, dos mais jovens aos mais velhos, e assim porque construiu sua história com a missão de servir. E serviu a todos, indistintamente. Uma bela senhora com seus cabelos brancos, alegre, sorridente, com uma palavra sempre cativante, amiga do mundo. Mesmo fragilizada pelas desditas da enfermidade, ainda assim uma flor de pétalas perfumadas.
Era uma das nove irmãs de minha avó, cuja família vingou um filho famoso: Manoel Marques da Silva, o cangaceiro Zabelê, sumido no meio do mundo desde a chacina da Gruta do Angico em 38. De todas as irmãs só restavam três: Cordélia, Mãezinha e Mariquinha. As duas primeiras, já muito idosas, sempre residiram em Poço Redondo, mas Tia Mariquinha passou a morar em Aracaju desde que casou com Aloísio Azevedo Silva, o Padrinho Aloísio, também já falecido.
Mesmo residindo em Aracaju, Tia Mariquinha sempre teve Poço Redondo como seu lar principal, principalmente pelas raízes robustas espalhadas por lá, uma infinidade de parentes e amigos e também pela sua Santa Luzia. Uma fazenda com nome de santa, desde muito adquirida e mantida por Padrinho Aloísio nos arredores da cidade. Quem segue em direção a Canindé passa bem ao lado da sede da Santa Luzia com sua vista maravilhosa.
Quando chegava em Poço Redondo Tia Mariquinha se dividia entre a cidade e a propriedade, que noutros tempos seguia até caminhando. De vez em quando passava temporadas inteiras por lá, mas ultimamente quase não visitava mais seu sertão, pois desde algum tempo acometida de enfermidades. Doenças do tempo, da idade, que vão fragilizando tudo e depois sopra o ser ao seu lar: és pó e em pó hás de retornar!
E o seu retorno foi neste sábado, e exatamente quando, após uma melhora, até se imaginava poder logo visitar seu sertão, sua Santa Luzia, sua família imensa, pois todos do lugar. Mas eis que já havia um compromisso marcado, um segredo de Deus para com seu destino, e depois disso o adeus e a aflição dos quatro filhos (Railda, Aloisinho, Rose e Anselmo), netos, bisnetos e demais familiares e amigos. E de Aracaju a Poço Redondo uma tristeza só.
E a tristeza se justifica. Não era apenas por exercício de respeito que Poço Redondo a tratava como tia, mas pelo reconhecimento de sua bondade perante cada um. Mas grande parte também a tinha como uma verdadeira mãe, pois responsável, junto com seu esposo Aloísio, pelo acolhimento, cuidado e formação de muita gente.
Ora, num tempo que não havia estudo suficiente no sertão, muitos não encontraram outro abrigo senão na sua em Aracaju. E não só familiares eram recebidos de braços sempre abertos. Do mesmo modo, quando o sertanejo necessitava de cuidados médicos na capital, a primeira porta que encontrava aberta era a do casal. E convidado a entrar para ser cuidado com todo zelo e carinho. E todo o Poço Redondo por testemunha.
Tive o prazer e a honra de conviver muito tempo na sua casa. E todos de minha família que ali chegaram foram tratados não como sobrinhos, mas como verdadeiros filhos. E antes de mim meu pai já havia sido acolhido, meus tios e outros parentes. Ao seu lado, do esposo e filhos, morei na Rua Divina Pastora e na Marechal Horta Barbosa, esquina com Hermes Fontes (nº 7, recordo até hoje). Como recordo também seu imenso prazer a cada reencontro e a sua palavra doce perguntando: Você está bem, meu filho?
São apenas lágrimas, minha tia. São apenas lágrimas. A dor adormece no coração que reconhece a grandeza do ser que se vai. Mas permanecendo sempre pelo amor vivenciado na terra.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois é caro amigo Dr. Rangel, é assim que a vida se nos apresenta. O tempo vai - a idade nos leva, e somos mesmo "pó".
As minhas condolências a você e aos demais familiares da Tia Mariquinha, que mesmo com as saudades deixadas, está agora em outra Esfera de vida.
Paz - muita paz,
Antonio Oliveira - Serrinha