Rangel Alves da Costa*
Nunca mais um cais, um horizonte com
revoadas, um entardecer de coqueirais dançando ao vento. Apenas uma paisagem em
preto e branco.
Uma névoa sombria, uma bruma escurecida, um
horizonte de cinzas e desesperanças. Não há outra cor na paisagem em preto e
branco, não há uma cortina que possa revelar alguma luz ou alguma esperança.
Os olhos avistam tudo, desde a luz da lua ao
clarão do sol, desde o azul das águas ao verde das folhagens, mas se nega a distinguir
as cores, eis que avistando apenas o preto e o branco da paisagem.
E no branco da paisagem, os espaços sendo
tomados por cinzas, sombras, matizes entristecidos. Talvez ali uma cor alegre,
uma cena bonita e cativante, mas os olhos só enxergam as cores ocres da
existência.
O preto da paisagem talvez nada contenha além
de sua cor original. Como numa pintura realista, de pinceladas fortes e
sobressalentes, ali o retrato da tristeza, da angústia, da solidão, do medo.
Da janela entreaberta avista-se a paisagem. A
paisagem em preto e branco. Mas não são outras cores as avistadas no interior,
da janela adentro. Não há jarros de flores, sorrisos na estante, qualquer
música na vitrola.
Dois retratos antigos numa parede nua, um vão
escurecido, uma vela apagada, um cálice quebrado, e apenas isso. E alguém em pé
ao lado da janela, com seu olhar entristecido que só enxerga uma paisagem em
preto e branco adiante.
Adiante e ao redor, tudo em preto e branco. O
olhar se nega a enxergar a vida, a paisagem real. Tanto faz a cantiga da brisa
ao entardecer, o vento que chega açoitando, a onda que bate na pedra e volta.
Tanto faz que alguém passe caminhando pelas
areias do cais, que as cores do horizonte passem do amarelado para o
vermelho-fogo do fim do dia. É como se o tempo não existisse, nada acontecesse,
nada vá se transformando diante da visão.
Talvez também não ouça se alguém chegar
batendo à porta. O cálice quebrou e sequer foi ouvido. O cortinado embalança e
nem é percebido. Tanto faz a vela apagada ou não, vez que a escuridão ou a luz
é sem qualquer importância diante da paisagem em preto e branco.
Há um silêncio profundo tomando conta de
tudo. O grito e o gemido são tão despercebidos quanto a própria presença. A
pessoa está ali sem estar em lugar algum. Ou está adiante vagando, caminhando
sem rumo por aquelas estradas sem norte e destino.
Na escuridão da paisagem, talvez se entregue
ao cego voo da existência. E suas asas batem sem sair do lugar. Na brancura da
paisagem também não avista nada, pois ela também já escurecida pela noite sem
lua e sem poesia.
Mas nem tudo se perde em meio à escuridão.
Luzes vão surgindo e despertam para a realidade daquela situação. E então
avista uma face, ouve uma palavra, relembra um diálogo, vê diante de si o
motivo de aquela paisagem estar assim em preto e branco.
E também reconhece os motivos de tanta
tristeza, de tanta solidão, de tamanha angústia e desolação. Está sofrendo,
amargurado, tomado de aflição. Eis que desesperançado, apenas um andante que
não conseguiu reencontrar sua razão de viver.
E não há maior razão de viver que sentir-se amando
e amado. E não há razão maior para sofrer que sentir-se sozinho e desprezado. E
a terrível sensação de abandono acaba apagando todas as luzes e tudo,
lentamente, vai se transformando apenas numa triste paisagem.
Numa paisagem em preto e branco. E sem olhar
que faça da vida uma tela que mereça uma nova paisagem. Ao menos até que a ilha
da solidão aviste ao longe o barco da esperança.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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