Rangel Alves da Costa*
Partiu o menino do mato, aquele que entendia
e explicava o mundo naquilo que para os outros eram apenas insignificâncias. O
poeta do inútil cativante e dos segredos revelados em qualquer canto de chão.
Foi-se o poeta do mato, da natureza, da singeleza, do gafanhoto e do garrancho
de pau. Partiu Manoel de Barros, ou aquele que buscava no contexto das coisas
simples o entendimento do mundo.
Manoel de Barros foi menino do mundo, da cidade
grande, das letras jurídicas, do ideário comunista, de um tempo sem destino
certo, mas acabou preferindo – e eternamente – ser apenas um menino do mato. E “Menino
do Mato” foi o título de seu penúltimo livro, publicado em 2010. E agora o
poema mais triste: o seu falecimento aos 97 anos, nesta quinta-feira 13/11, em
Cuiabá. Aliás, foi no interior sul-matogrossense, distante da cidade grande e
rodeado pela natureza que se fez menino do mato.
Seu percurso literário envolve, dentre
poesias, contos e relatos, mais de três dezenas de livros, dentre os quais:
Poemas concebidos sem pecado, Face imóvel, Compêndio para uso dos pássaros,
Gramática expositiva do chão, Arranjos para assobio, O guardador das águas, Concerto
a céu aberto para solos de aves, O livro das ignorãças, O fazedor de amanhecer,
Memórias inventadas, e Escritos em verbal de ave. Este o último livro
publicado, em 2011.
Drummond, com razão, reconhecia em Manoel de
Barros o poeta por excelência; enquanto este reconhecia naquele a primazia dentre
todos os ilusionistas da palavra. Contudo, enquanto Drummond era poeta do
mundo, da alma humana e do amor, Manoel de Barros era o poeta da terra, do
chão, da simplicidade, encontrando motivos nos meios mais impensáveis aos
cultores da escrita poética.
Daí que a poesia de Barros era quase toda
construída no inusitado, no impensado, no diferente. Via tudo com significação,
desde o grão de terra à agua correndo, do tronco esquecido à folha inerme, da
sutileza da paisagem ao que somente a arqueologia poética poderia encontrar.
Ora, segundo ele, o visgo do barro, o barro trabalhado, o barro quebrado, tudo
é poesia. E assim também com o silêncio da brisa, a solidão do passarinho, a
minúscula situação de vida.
Seus poemas são, assim, feitos na argila, no
barro, na poeira e no pó. Tudo nascido pelas mãos de um menino do mato que
conduziu as palavras como revoada de entardecer. Eis, por exemplo, o que diz em
Mundo Pequeno - I:
“O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um
rio e um pouco de árvores.
Nossa
casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos
fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Seu
olho exagera o azul.
Todas
as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui,
se o horizonte enrubesce um pouco,
os besouros
pensam que estão no incêndio.
Quando
o rio está começando um peixe,
Ele me
coisa
Ele me
rã
Ele me
árvore.
De
tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos”.
Para muitos críticos, contudo, a
característica maior de Manoel de Barros está na sua contestação aos
formalismos em nome da verdade despida de estética. Daí procurar deixar claro
seu compromisso com o mais sublime da vida, como demonstrado no seguinte trecho
do poema “O apanhador de desperdícios”:
“Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não
gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou
mais respeito
às que
vivem de barriga no chão
tipo
água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou
respeito às coisas desimportantes
e aos
seres desimportantes...”.
Partiu o menino do mato. Mas do seu ninho
ainda uma voz ecoando: “A voz de um passarinho me recita”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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