*Rangel Alves da Costa
Somente o ser conhece a si mesmo. O outro
imagina, supõe, dialoga com a aparência, mas somente o homem se conhece no todo
e se reconhece nas suas partes, sentindo sua alegria, sua dor, seu
contentamento ou seu sofrimento. Pode até fingir e mostrar ser outro,
exteriorizar uma aparência que não condiz com sua realidade. Contudo, jamais
consegue fugir do seu interior e daquilo que se faz carência ou abundância.
Dentro de si é que mora toda a verdade, é onde está seu livro aberto e
verdadeiro. Do outro lado da porta, apenas a moldura condizente com o momento
ou a necessidade. Da porta adentro o retrato sem disfarces ou maquiagens. Que
doa ou não, que faça sofrer ou não, é neste retrato que se encontra toda vez que
sente desejo de se reencontrar.
Não raro que as armadilhas do mundo tentam
ser mais fortes que a pessoa em si mesma. Como predadoras do ser, tais
armadilhas forçam o desvirtuamento de desejos, de fazeres e até de
comportamentos. Nas armadilhas também os modismos, as lições maléficas, as
insistências para que deixe de ser a si mesma para se tornar apenas em mundo,
para pactuar e compartilhar de realidades que nada condizem com os anseios da
alma e as necessidades espirituais. Corre-se o risco de deixar de ter fé, de
abster-se da prece e da oração, de negar o sagrado, de ajustar-se somente ao
que é desajustado lá fora. Armadilhas que também desnorteiam o caráter, a
moral, a ética, os bons e verdadeiros atributos humanos. E não é fácil fugir de
tais armadilhas, eis que o mundo está cheio de garras e ilusões que tudo farão
para levar ao precipício aquele que só deseja caminhar na superfície.
Ou se tem fé ou se deixa levar. Ou se tem
abnegação própria ou se deixará conduzir. Ou se luta contra as garras e as
ilusões mundanas ou se deixará mortificar. E só há um remédio para que a pessoa
se mantenha em si mesma: a persistência. Nisto, o compromisso consigo mesma, a
força de vontade para atender unicamente à sua vontade, a certeza que tem
objetivos e caminhos e que nada conseguirá afastá-la de sua direção. A pessoa
tem que querer continuar sendo a própria pessoa, sendo a si mesma. Certamente
haverá luta ferrenha contra o mal e todos os tipos de tentações, mas nada
consegue vencer a persistência do bem e a tenacidade do amor, da fé, do
humanismo, do compromisso com a vida própria e a além. É uma questão de escolha
entre a esperança e a perdição.
Por isso que necessitamos sempre de ter necessidade
de nós mesmos. E só sente as carências aquele que busca compreender as
ausências. Ainda que o mundo seja atraente, convidativo e tentador, nada deve
ser mais importante que a pessoa em si mesma. Ora, o mundo tem seu próprio
passo, a sua própria direção, e quem desejar simplesmente segui-lo deixará para
trás a si mesmo. É preciso que a pessoa permaneça sempre perto e dentro de si.
Que tudo adiante seja diferente. O que o ser humano não pode é ser igual ao
estranho e diferente de si próprio. Mas como reconhecer-se nas suas
necessidades e procurar seu caminho interior e, consequentemente, sua paz?
Sendo como a voz e o silêncio das catedrais.
Em muitos instantes da vida, ainda que em
meio a algazarras ou multidões, somos apenas o que somos em nós mesmos: os
nossos silêncios e as nossas catedrais. Dentre de nós e povoando a nossa mente,
tão somente o espaço preenchido pelo que desejamos. Precisamos de paz,
precisamos de felicidade, precisamos de compreensão, precisamos de amor
verdadeiro. É uma necessita da alma e que nos reclama. Precisamos pensar mais
em nós mesmos, precisamos afastar os nossos abandonos interiores, precisamos
nos revelar mais amigos e confidentes de nós mesmos. É uma necessidade
espiritual e que tanto nos clama. E por que de repente nos sentimos assim,
distante de tudo e tão próximo de nós mesmos, é que temos de respeitar nossos
silêncios e caminhar em busca de nossas catedrais. Como é útil a reflexão, a
meditação e a oração em momentos assim. Encontrarmo-nos neste silêncio,
ajoelharmo-nos perante a luz. E sentir que Deus nos fará levantar como homem
novo, aquele que ecoará na vida uma nova canção!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário