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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O QUE SOMOS EM NÓS MESMOS


*Rangel Alves da Costa


Somente o ser conhece a si mesmo. O outro imagina, supõe, dialoga com a aparência, mas somente o homem se conhece no todo e se reconhece nas suas partes, sentindo sua alegria, sua dor, seu contentamento ou seu sofrimento. Pode até fingir e mostrar ser outro, exteriorizar uma aparência que não condiz com sua realidade. Contudo, jamais consegue fugir do seu interior e daquilo que se faz carência ou abundância. Dentro de si é que mora toda a verdade, é onde está seu livro aberto e verdadeiro. Do outro lado da porta, apenas a moldura condizente com o momento ou a necessidade. Da porta adentro o retrato sem disfarces ou maquiagens. Que doa ou não, que faça sofrer ou não, é neste retrato que se encontra toda vez que sente desejo de se reencontrar.
Não raro que as armadilhas do mundo tentam ser mais fortes que a pessoa em si mesma. Como predadoras do ser, tais armadilhas forçam o desvirtuamento de desejos, de fazeres e até de comportamentos. Nas armadilhas também os modismos, as lições maléficas, as insistências para que deixe de ser a si mesma para se tornar apenas em mundo, para pactuar e compartilhar de realidades que nada condizem com os anseios da alma e as necessidades espirituais. Corre-se o risco de deixar de ter fé, de abster-se da prece e da oração, de negar o sagrado, de ajustar-se somente ao que é desajustado lá fora. Armadilhas que também desnorteiam o caráter, a moral, a ética, os bons e verdadeiros atributos humanos. E não é fácil fugir de tais armadilhas, eis que o mundo está cheio de garras e ilusões que tudo farão para levar ao precipício aquele que só deseja caminhar na superfície.
Ou se tem fé ou se deixa levar. Ou se tem abnegação própria ou se deixará conduzir. Ou se luta contra as garras e as ilusões mundanas ou se deixará mortificar. E só há um remédio para que a pessoa se mantenha em si mesma: a persistência. Nisto, o compromisso consigo mesma, a força de vontade para atender unicamente à sua vontade, a certeza que tem objetivos e caminhos e que nada conseguirá afastá-la de sua direção. A pessoa tem que querer continuar sendo a própria pessoa, sendo a si mesma. Certamente haverá luta ferrenha contra o mal e todos os tipos de tentações, mas nada consegue vencer a persistência do bem e a tenacidade do amor, da fé, do humanismo, do compromisso com a vida própria e a além. É uma questão de escolha entre a esperança e a perdição.
Por isso que necessitamos sempre de ter necessidade de nós mesmos. E só sente as carências aquele que busca compreender as ausências. Ainda que o mundo seja atraente, convidativo e tentador, nada deve ser mais importante que a pessoa em si mesma. Ora, o mundo tem seu próprio passo, a sua própria direção, e quem desejar simplesmente segui-lo deixará para trás a si mesmo. É preciso que a pessoa permaneça sempre perto e dentro de si. Que tudo adiante seja diferente. O que o ser humano não pode é ser igual ao estranho e diferente de si próprio. Mas como reconhecer-se nas suas necessidades e procurar seu caminho interior e, consequentemente, sua paz? Sendo como a voz e o silêncio das catedrais.
Em muitos instantes da vida, ainda que em meio a algazarras ou multidões, somos apenas o que somos em nós mesmos: os nossos silêncios e as nossas catedrais. Dentre de nós e povoando a nossa mente, tão somente o espaço preenchido pelo que desejamos. Precisamos de paz, precisamos de felicidade, precisamos de compreensão, precisamos de amor verdadeiro. É uma necessita da alma e que nos reclama. Precisamos pensar mais em nós mesmos, precisamos afastar os nossos abandonos interiores, precisamos nos revelar mais amigos e confidentes de nós mesmos. É uma necessidade espiritual e que tanto nos clama. E por que de repente nos sentimos assim, distante de tudo e tão próximo de nós mesmos, é que temos de respeitar nossos silêncios e caminhar em busca de nossas catedrais. Como é útil a reflexão, a meditação e a oração em momentos assim. Encontrarmo-nos neste silêncio, ajoelharmo-nos perante a luz. E sentir que Deus nos fará levantar como homem novo, aquele que ecoará na vida uma nova canção!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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