*Rangel Alves da
Costa
Depois de tanto
tempo de compromisso e submissão, eis que de repente o cabra, por um motivo ou
outro, passava a não ter mais serventia. E ia morrer pelas mãos dos capangas
daquele mesmo coronel que um dia lhe garantiu proteção.
E protegia
mesmo. Mas até onde o cabra lhe tivesse serventia. Até onde fosse útil à
tocaia, à emboscada, ao recado melindroso, ao segredo guardado, a tudo que
saiba e que não podia revelar. Mas sempre chegava um tempo de desconfiança,
quando o desacreditado tinha de forçosamente silenciar debaixo do chão.
Assim, a
segurança coronelista ia até o momento que este precisasse se livrar da ameaça
do protegido. Muitas vezes, este conhecia tanto do lamaçal sangrento, de mando
e perseguição, que podia se tornar em perigo. Passava a conhecer tramas e
segredos que não podiam ser revelados. Então o coronel lhe dava o último sorriso
já sabendo de sua sina.
Já dizia o
velho Leontino - e com razão - que coronel nordestino nunca gostou de quem quer
que fosse. Toda sua amizade era construída por interesse, num jogo de mando e
poder, que tanto podia perdurar por mais tempo ou acabar num instante.
Prosseguia
dizendo que coronel nunca confiou nem nele mesmo, muito menos em qualquer
outro. Sua maldade e perversidade chegavam a tal ponto que parecia viver
assombrado, vendo inimigo em tudo e por todo lugar. Numa situação assim,
qualquer um podia pagar pela desconfiança.
Talvez
fosse o poder acastelado no feudo rodeado de proteção, como num pedestal
inacessível, que o tornava tão solitário e tão explosivo. Tramando ter mais
poder, tecendo a vida e a morte, ao abrir a boca ou bater o cajado, outra coisa
não fazia senão ordenar. E ordem de fogo e sangue a ser cumprida antes que a
cusparada secasse.
Numa
simples ordem, e uma sentença de vida e de morte. Ora, para ele tanto fazia a
vida ou a morte do outro, do inimigo, do litigante ou mesmo do inocente.
Mandava matar pai de família empobrecido que não quisesse se desfazer de seu
pedacinho de terra nas vizinhanças do latifúndio.
Qualquer
um poderia ser sua vítima. Decidia sempre em proveito próprio e contra quem
quer que fosse. O coronel de verdade, aquele de latifúndio, poder e capangagem,
jamais tomou qualquer decisão que não fosse em seu único e exclusivo benefício.
Até mesmo quando abria as portas do curral para eleger um candidato estava
trocando o voto por mais poder.
Quando se
comprometia a acolher nas suas hostes e dar proteção a foragidos e perseguidos
da justiça e da polícia, outra coisa não fazia senão aumentar seu regimento de
jagunços, capangas e assassinos. E assim porque todos passavam a lhe dever cega
obediência.
A
desobediência ou o serviço malfeito, quando o jagunço errava a tocaia ou não
trazia a orelha como troféu, era sentença de morte. Ou o cabra fugia ou logo
receberia como troco o trato que deixou de cumprir. E se fugisse era derrubado
do mesmo jeito. Não havia escapatória. O jagunço ia matar jagunço onde o
fugitivo estivesse.
Certa
feita, um ex-cangaceiro de Lampião se viu forçado a pedir proteção a um coronel
após a chacina de Angico, onde o cangaço teve fim. Temia ser morto pela volante
caçadora de fugitivos. Então se debandou para o feudo coronelista e lá foi
acolhido com segurança.
No reduto
coronelista, logo encontrou outros na mesma situação. Não eram capangas nem
jagunços, pois recebendo proteção especial pela fama, linhagem familiar ou a
mando de outros amigos influentes. Mas cada um tinha o seu tempo de estadia e
de retorno.
Contudo,
gente existia que jamais deixava de dever obediência ao poderoso, pois de vez
em quando retornando pela reincidência nas práticas virulentas. Mas todos
sabiam que jamais, mesmo já estando distantes daquele feudo, poderiam
contrariar o coronel.
E o
ex-cangaceiro, mesmo já tendo saído do reduto coronelista e alcançado voo
próprio, começou a agir de modo não desejado pelo seu ex-protetor. E uma vez
contrariado o mando, a sina do subvertido não era outra senão ser alcançado
pela poderosa fúria.
Então foi
morto pelas mãos de homens que creditava grande confiança e amizade. E eram
realmente amigos e de confiança. Contudo, muito mais do coronel. E a este não
podiam faltar de jeito nenhum, sob pena de terem o mesmo destino. O que, aliás,
acabaram tendo mais tarde.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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