*Rangel Alves da Costa
O tempo no sertão vem rapidamente se
transformando. O clima ameno, até resfriado de dias atrás, de repente se
transmudou em calor de labareda. Em meio ao tempo aberto, de sol escaldante e
sem nuvens no céu, de hora pra outra tudo se torna fechado, nebuloso. Quem
avista os horizontes e sabe fazer a devida leitura, logo diz que vem trovoada.
Mas nada acontece.
O que sempre acontece é a constância nas
ventanias, os açoites pelo ar e a dança das folhagens ao se desprenderem das
árvores e pés de paus. Pelas ruas e avenidas, malhadas e descampados, estradas
e veredas, vão se formando os acúmulos de restos secos, folhas mortas,
garranchos e gravetos. Os canteiros secos e os beirais de calçadas nem têm
tempo de juntar tais restos, vez que logo são levados em arremessos pelos
açoites em voracidade.
Vem-me à memória aqueles varais de quintais
quase levados com roupas e panos pelas ventanias. E também as paredes arenosas
que se formam ao longe e avançam espalhando poeira, pó, fiapos, restos secos e
o que encontrar pela frente. Em ventanias assim, quando redemoinhos vão abrindo
veredas ou sulcando a terra por onde passar, até mesmo as portas e as janelas
são empurradas pelas afoitosas passagens. E se entrar vai derrubando tudo,
deixando seu rastro estarrecedor.
Mesmo que não abram as portas e janelas,
ainda assim, ao passar por cima dos telhados, fazem com que as velharias secas
ali adormecidas vão se entranhando entre as telhas até caírem nas varandas,
quartos e salas. Quando o sujeito abre a porta logo encontra aquela sujeira
danada e que não sabe de onde veio. Mas veio de cima, do telhado, pela força da
ventania que passou e ali deixou suas marcas e seu recado: nada consegue me
deter. Além disso, de vez em quando se dão ao trabalho de destelhar e até
arremessar ao longe parte das coberturas.
Ontem mesmo um amigo aqui do sertão de Poço
Redondo escreveu: “Nesta manhã de sábado, neste calor, sentado sob o alpendre
de casa, no Assentamento Lagoa das Areias, vejo redemoinhos com frequência
passando na malhada. Redemoinhos de vento em corropios, com poeira e folhas
secas que neste tempo caem das catingueiras. Os meninos da agrovila da Lagoa das
Areias gostam de ver”. Eis parte da descrição de Belarmino, singelamente
realista.
Uma visão verdadeiramente instigante, ainda
que já conhecida de muitas vezes. O avanço dos redemoinhos sobre a malhada
aberta, trazendo consigo um misto de poeira e folhagem, numa profusão de restos
miúdos das catingueiras já fragilizadas pela sequidão. Redes balançam, varais
fazem festa, panos tomam destinos, tudo se move e se embala com a força do
vento. Árvores se dobram, gemem, se deitam mortas ao chão. E para a festa
desassustada da criançada.
O amigo Belarmino tem moradia além da cidade,
num assentamento em meio a mataria e aos descampados, e sua descrição condiz
com o que vem acontecendo nas demais regiões sertanejas do São Francisco. Em
Poço Redondo, tal ventania, com redemoinhos e açoites vorazes, vem se repetindo
a cada instante. E é tal fato que logo faz imaginar que não demora muito e as
chuvaradas cairão com a força tão esperada. O sertanejo até gosta que o tempo
se transforme assim, pois sempre na boa expectativa das trovoadas.
Ontem mesmo foi um dia assim, de lenços
levados, varais inquietos, portas batendo, poeira e folhagens passando velozes.
Também um dia de formação de nuvens, de sombras nos horizontes e prenúncios de
chuvas. Mas nenhum pingo d’água caiu. Tudo logo voltou ao comum do calor, do
tempo aberto, das securas espalhadas por todo lugar. Apenas as ventanias
continuaram dando os seus sinais. O amigo Belarmino presenciou os mesmos
acontecidos mais além da cidade.
Hoje amanheceu ensolarado, novamente de sol
fogoso e calorento. Nenhuma expectativa de chuva. Mas os açoites já começam
assobiar, as ventanias já fazem seus percursos, as ruas já são tomadas pelas
folhagens e igualmente varridas pelas suas passagens. De canto a outro os
redemoinhos despontam. Resta somente esperar que as trovoadas realmente
cheguem. Enquanto isso a Velha Quitéria apenas diz ao estender roupa no varal: Que
leve o pano, mas traga a chuva.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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