SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 24 de outubro de 2016

UM CEGO TROPEÇA NO VENTO E CAI


*Rangel Alves da Costa


Um menino tropeça no vento e voa. Mas um cego tropeça no vento e cai.
Como é bom caminhar, avistar o mundo, divisar os horizontes, ter diante do olhar o pôr do sol e a última revoada que passa. E ao avistar tamanha beleza, diz ao cego que está ao lado, que num instante se levanta tomado de emoção, então tropeça no vento que passa e cai.
A mulher estende a roupa e chama a ventania. Mas um cego tropeça no vento e cai.
Como é bom sentir o sopro do vento, seu avanço sobre o varal, as roupas esvoaçando e também as folhagens dos arredores. Quem o avista sabe se vai chover, sente como passa varrendo tudo ou apenas enxuga a roupa. E quando um pano se desprende do varal e é levado, e a mulher logo grita, o cego se levanta querendo ajudar, mas tropeça no vento e cai.
Ao entardecer sobre as calçadas, entre proseados e cadeiras espalhadas, pessoas celebram a brisa boa e vão comentando sobre as realidades ao redor, sobre as novidades que passam, sobre o céu nublado que vai se formando e a ventania que parece querer tomar o lugar da refrescante aragem. O cego quer se aproximar para ouvir mais de perto, porém tropeça no vento e cai.
Nem com a força de vendavais, aquela árvore centenária geme sua idade. Mas o cego tropeça no vento e cai. Só depois de muita força a janela é aberta pela ventania. Mas o cego tropeça no vento e cai. Um passa correndo, pulando por cima de tudo, enquanto outro parece até voar querendo ser o primeiro a chegar, e ninguém tropeça e cai. Mas o cego tropeça no vento e cai.
O pássaro voa solene, singelo, cortando horizontes e seguindo adiante. O avião faz seu risco no ar e vai sumindo entre as nuvens, longe, cada vez mais longe. A pipa sobe desajeitada, querendo seguir, querendo voltar, mas depois toma os espaços como a coisa mais bela, enquanto menino a domina com apenas dois dedos. Tudo assim com seu voo, seu passeio pelo ar, sua dança nas nuvens. Mas o cego tropeça no vento e cai.
O bêbado vai de calçada a outra, titubeia sem cair. Mas o cego tropeça no vento e cai.
As folhas secas e mortas vão seguindo pelo ar. Seguem o caminho, o impulso, a força do vento. Bem assim com a poeira que se desprende das coisas velhas e se junta ao pó que vai sendo soprado até se espalhar mundo afora. Tudo tem seu momento e sua lógica de acontecer. Nada estranho no graveto que vai sendo arremessado pela rua ou pelos restos que vão sendo soprados adiante. Mas nada normal quando um cego tropeça no vento e cai.
O ser humano precisa discernir sua estrada, precisa escolher o melhor caminho a seguir. É este poder de decisão que o torna capaz de ser dono do próprio destino. Mas qual estrada seguir, qual caminho escolher, qual poder de decisão naquele que nada avista adiante, e não por que deseje que seja assim. Quer também ter sua estrada, até tenta dar um passo sem medo, mas logo tropeça no vento e cai.
Mas não somente o que tem cegueira na visão que tropeça no vento e cai. Cego é também qualquer um que podendo avistar não deseja fazê-lo com os olhos da razão. O cego de visão conhece os seus limites, sabe que está propenso ao passo em falso, mas o cego de razão sabe que vai cair e ainda assim caminha ao precipício. Mas o vento que faz tropeçar e cair não é o mesmo para os dois. Há num a tentativa de acerto, enquanto no outro há tentativa de erro. Um cai pelo tropeço do vento, o outro nem precisa de qualquer sopro para cair.
É que o homem é frágil demais. Qualquer vento lhe surge como ameaça. Um cego tropeça na sua passagem e cai. Mas qualquer um que pretensiosamente se ache em segurança ou forte demais, de repente poderá ser transformado em frangalho que se desprende de varal. O cego tropeça no vento e cai, mas igual folha seca será aquele cuja visão perfeita não lhe permita enxergar o que está além de seu passo.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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