*Rangel Alves da
Costa
Agora apenas
uma luz apagada. Aqueles afastados do centro da cidade não mais ficam
iluminados pela luz vermelha anunciando o puteiro, dizendo que ali a feira do
sexo, da carne, do pecado, da busca e da entrega. Buscando em Jorge Amado uma
descrição, ali os xibius em flor procuram jardineiros ávidos para despetalar
prazeres fingidos. Xoxotas a preço de cesto de mangas e priquitas a custo de
banana de fim de feira.
Nunca foi de
ostentação. Sempre uma ambientação simples como o próprio lugar onde estava
instalado. Não havia falsas francesas de línguas enroladas nem virgens
disputadas entre os mais endinheirados. Tudo que chegava ali já era gado de
outros pastos, de outros matadouros, fazendo vida noutros cabarés ou mesmo nas
traições conjugais ou nos escondidos das famílias.
Mas todas de
cabaré, desde a mais novinha a mais velha de todas elas. Algumas mais novas
tentavam manter seus status de seriedade a todo custo. Sempre repetiam que na
cidade ninguém sabia que faziam vida. Chegavam pelos fundos e se escondiam
entre batons e carregadas pinturas. A cada cliente pediam por tudo na vida que
não espalhasse aos quatro cantos que abria as pernas em troca de vintém. Mas
não adiantava. Onde passava todo mundo avistava a puta, jamais a mulher.
E as
motivações para tal? Ao ouvi-las, não raro que surgissem reflexões além daquela
realidade. Uma havia sido flagrada pelo marido em ato de traição e daí em
diante acostumou na putaria. Outra foi desvirginada à força pelo capataz da
fazenda e depois jogada pela família no meio do mundo, então não encontrou outra
coisa a fazer senão bater às portas de cabaré. Já outra sempre afirmava que
vivia muito triste com a vida que levava, pois era moça séria e de respeito,
mas uma força desconhecida a jogava em qualquer cama e já de pernas abertas.
Contudo, em
algumas havia também um realismo mais que aflorado. Uma dizia que gostava de
homem mesmo, que dava o xibiu por que gostava de trepar mesmo. Outra dizia que
foi acostumando com a safadeza e de repente já nem se importava mais que fosse
chamada de puta de cabaré. Ao que outra dizia: Tenho uma profissão e minha
profissão é ser puta. Encaixo macho, boto dentro homem, lido com todo tipo de
coisa mole e dura. Não é trabalho fácil não. E o pior de tudo é que já não
sinto prazer algum e o que ganho nem dá pra ser uma puta sequer arrumada.
Assim naquele
puteiro antigo. Ao menos assim no passado, pois tais depoimentos já não fazem
parte das mulheres que vivem sua realidade. Algumas sumiram, muitas rumaram
pelas estradas em busca de outros puteiros igualmente chinfrins, outras
fecharam o tacho por absoluta falta de quem quisesse se lambuzar em restos
malcheirosos e engilhados. As putas de hoje são umas quengas velhas que ainda
continuam na lide por absoluto saudosismo, mas quase sem clientes. De vez em
quando um bêbado, um velho afogueado, um viajante desconhecedor daquele resto
de feira.
Ao longe se
avista apenas a casa carcomida de tempo. Já de perto e porta adentro, apenas os
restos daquilo que um dia foi de farta clientela. Que ambiente mais sombrio e
triste. Na velha vitrola um bolero antigo, melancólico, choroso demais. Cheiro
de limão e aguardente pelo ar, um aroma mofado de sexo encardido e suarento. Pelos
cantos e escondidos, como se fantasmas nus, de bocas lânguidas e corpos
cansados de entrega, buscassem nas camas imundas seus últimos refúgios de
qualquer prazer.
Apenas um
arremedo de cabaré. O velho puteiro agora não passava de escombros. Depois das
guerras e batalhas de corpos baratos em refregas, depois das sedes embriagadas
e dos gozos fingidos, agora apenas um puteiro em escombros, em entulhos de
malcheirosas lembranças, em retalhos apodrecidos de corpos lamacentos da ilusão
do prazer. As pulgas ainda povoam as camas, os ácaros estão por todo lugar, há
respingos de sangue que jamais se apagam, há ainda um falso gemido nas noites
fantasmas.
Aproximar-se
de uma mesa num canto é a certeza de encontrar uma velha quenga chorosa e
embriagada. Diante de si um copo de aguardente misturada com refrigerante e uma
carteira barata de cigarros já chegando ao fim. Numa mão segura o cigarro e com
a outra leva o copo à boca. Usa um bato vermelho que se espalha muito além dos
lábios. Um pó avermelhado tenta dar alguma cor ao rosto murcho e enrugado. Não
tem brilho algum nos olhos, nem por fora nem por dentro, apenas um olhar
perdido em lembranças ébrias.
Nunca mais
teve qualquer cliente. Também tanto faz, segundo diz. Continua por ali apenas
como uma vigilante de um cemitério maldito e abandonado. Diariamente convive
com fantasmas do passado, mas também com alguma lembrança boa de quando era
mais jovem. Chega senta no mesmo lugar e pede a mesma bebida. Bebe avidamente e
ouve bolero antigo. Mas não há mais bebida nem bolero, apenas a velha puta nos
seus idílios de sofrimento e solidão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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