*Rangel Alves da
Costa
Segundo as
lendas, causos e estórias que correm de boca em boca, principalmente naqueles
acostumados a tomar casca de pau em pé de balcão, não há - até mesmo no
restante do mundo - vendedor mais difícil de lidar do que Nanô. Aquele mesmo
vendeirim de botequim desde muito instalado na Avenida Alcino Alves Costa, no
centro do sertão esturricado de Poço Redondo.
Sobre o
homem, sertanejo de raiz e tronco, sobram causos e mais causos acerca do seu
jeito peculiar em lidar com clientes. Os acostumados, numa clientela tão antiga
como o próprio botequim, nem se avexam mais com o seu típico jeito de servir.
Mas outros preferem distância de seu humor da hora, ainda que a vontade maior
seja mesmo de experimentar o seu preparo com pinga legítima e raiz de pau de
primeira qualidade.
Não que
Nanô não se esmere no atendimento a clientes que buscam ali uma cerveja, uma
dose ou uma relepada de casca de pau. Contudo, segundo propagam desmedidamente,
o vendeirim possui temperamento difícil perante alguns e algumas situações. Dizem
até que as zangações do homem são tão grandes de vez em quando que até assustam
quem estiver com sede de uma boa talagada de pinga.
Mas tudo
lenda, tudo conversa espalhada até por brincadeira, eis que Nanô apenas uma
pessoa simples e que sempre preservou o seu jeito próprio de ser e de atender
aos muitos clientes que ali chegam desde os primeiros clarões do dia. Espaço
pequeno, com apenas duas ou três mesas, ao entrar a pessoa já estará
praticamente ao pé do balcão. E é ao pé de balcão que o homem se fez lendário.
Dizem que
não vende fiado nem a ele mesmo. Também não vende se a pessoa disser que só tem
nota graúda. Não vende de jeito nenhum se a pessoa já chegar tungada e
conversando besteira. Igualmente não vende se o bebedor ficar com muita lorota
na escolha da bebida. Também não aceita reclamações nem exigências. Deus salve
aquele que reclamar da mistura da casca de pau.
Afirmam
também que a coisa mais difícil do mundo é o bebedor encontrar qualquer sorriso
em Nanô. Também de poucas palavras, seu negócio é vender, receber o dinheiro e
pronto. Homem já passado em muito dos oitenta, carregando em si um aió de
histórias sertanejas, conhecedor de chão e estrada de todo o sertão, ainda
assim é tarefa das mais difíceis extrair um causo do seu embornal.
De vez em
quando eu vou lá encher uns litros de casca de pau. Sempre fui bem atendido,
mas se desejo trazer mais um litro, será aquele litro mesmo que depois terei de
devolver. Não aceita outro de jeito nenhum. E reconhece pela tampa. Aí não tem
jeito, ou a devolução é igual ou a vaca não dá leite. Também tenho muito
cuidado de levar dinheiro trocado, pois se ele não tiver troco há sério risco
de ficar sem a bebida.
Dizem que
um cabra chegou ao pé do balcão e pediu uma dose de angico. Prontamente foi
atendido. Contudo, ao cheirar a bebida disse que tinha cheira de umburana. Pra
que foi dizer isso? No mesmo instante teve o copo recolhido e ficou sem a dose.
Já outro pediu uma talagada, esperou chegar na medida e depois disse que
pagaria depois. No mesmo instante Nanô pegou o copo e virou a dose goela abaixo,
e em seguida disse: “A vender fiado, bebo eu mesmo, que ao menos não perco
minha cachaça”.
Afirmam
que um cliente de todo dia, já conhecedor por demais de todo tipo de pinga,
certa feita chegou ao pé do balcão e perguntou, apontando à prateleira: “É
quixabeira aí nessa garrafa?”. Ao que Nanô respondeu: “Não. É água mineral, não
tá vendo a cor não?”. E novamente perguntou se voltando a outro litro: “Mas ali
é cravinho, não é?”. E Nanô: “Num tá vendo que é Coca Cola?”. E depois
arremeteu: “Pode ir embora. Aqui não tem bebida não. Tudo o que tem ali você
não bebe, pode ir”. E o cabra botou o rabinho entre as pernas e saiu mais sem
jeito que rapariga quando avista a esposa do macho.
Doutra
feita, dizem que um cliente chegou ao bar e pediu uma cerveja. Foi prontamente
servido e passou mais de uma hora sem que findasse a bebida. Já perto de
almoçar, então Nanô assuntou: “Se quiser outra posso esperar até amanhã, mas ou
você bebe logo essa ou nunca mais bebe aqui nem uma casca de pau”. E o cabra
que bateu à porta da vendinha ainda quase de madrugada? Nanô apareceu na porta
ao lado e foi logo dizendo: “Trouxe também o travesseiro pra beber?”.
Mas tudo
causo, tudo lenda, tudo invencionice dos apreciadores de casca de pau. Ou terá
alguma verdade nas histórias do velho sertanejo Nanô? Passe lá e peça uma. E
tire suas próprias conclusões.
Escritor
Membro da Academia de Letras
de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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